quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Estratégia geotech

A Comissão Europeia anunciou, a 3 de setembro, uma multa recorde aplicada à Google por práticas anticoncorrenciais. O valor, por si, é impressionante – quase três mil milhões de euros. Mas será? E terá a capacidade de alterar comportamentos, da Google e demais big tech? Dificilmente.

Caso consideremos o free cash flow da Google, em 2024 (divulgado nos seus relatórios públicos), o valor da multa representa cerca de 17 dias de atividade. O mercado parece considerar a multa insignificante. As ações da Google foram transacionadas, no dia 2 de setembro a 211,35 dólares, e no dia 3 – dia do anúncio da multa – a 230,66 dólares. Nos dias seguintes, foram transacionadas sempre acima dos 230 dólares.

Igualmente, não existiu nenhuma notícia a pôr em causa o conselho de administração da Google, nem nenhum acionista de referência publicou a intenção de desinvestir.


Aliás, a empresa valorizou-se significativamente, quando, no dia 5 de setembro, um tribunal americano deliberou que a Google era uma empresa monopolista e tinha violado a lei, mas não obrigou a vender parte do negócio (no caso, o Google Chrome e Android), como era requerido pelo regulador.

Ou seja, o mercado não acredita que o Estado americano e a União Europeia estejam dispostos a aplicar a legislação anticoncorrência de forma a alterar o modelo de negócio monopolista que garante lucros astronómicos. Pelo menos, no curto prazo.

E o mercado não costuma enganar-se…

As big tech são, aliás, transparentes na sua estratégia. Apoiam Trump e a sua Administração. E esta apoia as big tech. Na negociação das tarifas, procurou um acordo com a Comissão Europeia para que esta revisse a legislação dos serviços digitais e Inteligência Artificial (nomeadamente, a responsabilidade por danos provocados) e ameaça com novas tarifas caso a União Europeia avance com um imposto sobre as plataformas digitais.

A Comissão Europeia afirma que não irá alterar a legislação, mas o imposto sobre serviços digitais, cujos trabalhos se iniciaram em 2018, ainda não foi criado. Um imposto de 5% sobre as receitas geradas no espaço europeu permitiria uma receita de 37,5 mil milhões de euros em 2026, ou seja, um valor equivalente a 19% do orçamento da União Europeia em 2025 (de acordo com um estudo publicado pelo CEPS). Atualmente, a carga fiscal das empresas digitais é de apenas 9,5%, quando a economia tradicional paga uma taxa média de 23,3%. Um imposto digital é essencial para garantir este equilíbrio e assegurar que o orçamento europeu (e o dos Estados-membros) tem capacidade para responder aos múltiplos desafios que enfrenta (da defesa à emergência climática).

As big tech sabem que o momento é crucial e o apoio político da Administração Trump, fundamental. É a Administração que controla a interposição e a eventual desistência de ações judiciais anticoncorrência – uma vez que estas são promovidas pelo Departamento de Justiça e pelo regulador, a Federal Trade Commission, cujos dirigentes são nomeados pelo Presidente Trump. Acresce que o apoio da Administração e, como tal, do Partido Republicano, impede a aprovação de qualquer alteração legislativa no regime da responsabilidade das plataformas pelos conteúdos distribuídos ou produzidos pelos LLM.

Aquando do lançamento das redes sociais e do YouTube, com o scrolling e o feed de conteúdos, o regulador poderia ter tomado uma de duas opções: fazer equivaler as plataformas digitais a uma companhia de telecomunicações e, como tal, serem imunes aos danos provocados pelos conteúdos disponíveis ou responsabilizar as plataformas pelos conteúdos distribuídos.

Nos EUA e na Europa optou-se pela imunidade e, como tal, captar a nossa atenção pelo máximo tempo possível – ainda que com conteúdos nocivos ao indivíduo e à sociedade – tornou-se a base do negócio. No processo, o algoritmo passou a dominar as nossas vidas, o espaço social e político.

Agora, que o legislador – ainda que timidamente – apresentou, na Europa, a primeira regulação (face à evidente degradação da democracia e aos efeitos nefastos na saúde mental), as big tech estão dispostas a tudo para impedir o fim do seu império.

Nunca foi tão importante a pressão social para que a Comissão Europeia não se demova e aplique a legislação de forma efetiva. Tal implica que este tema, nas suas várias dimensões, seja parte do debate público, discutido ativamente em vários fóruns e não apenas nos corredores políticos. Só assim será possível garantir que os nossos representantes políticos reconheçam a importância deste momento e atuem em consonância.

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