quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A hora para partir ossos

Nas redes sociais corre há anos uma história que foi publicada na revista Forbes e se refere à famosa antropóloga norte-americana Margaret Mead. Reza a lenda que, quando questionada por um aluno sobre qual o mais antigo indício da civilização humana, respondera: “O registo fóssil de um fémur curado com 15 mil anos.” Estávamos na Idade do Gelo e para os homens primitivos, nómadas, um fémur partido significava a morte, uma presa fácil sem possibilidade de ele próprio caçar ou fugir. Um fémur curado significa que alguém cuidou daquele ser humano, teve empatia por alguém mais vulnerável, sentiu amor. “É aí que a civilização começa”, terá concluído Mead.

A História é comovente, mas provavelmente falsa, de acordo com outros antropólogos, que não encontraram provas de que Margaret Mead tenha dito tal coisa. Aliás, entre os académicos, parece estranhíssimo que seja esta uma prova da civilização humana, já que a Ciência nos tem mostrado o mesmo tipo de comportamento entre outros animais. O altruísmo não é uma característica meramente humana, os grandes primatas também a têm, por exemplo, mas é certo que não existe Humanidade sem altruísmo.

Os tempos que vivemos fazem-nos perder a fé na Humanidade. Tudo o que construímos após a II Guerra Mundial, os direitos humanos, o Estado social, o caminho para a igualdade entre homens e mulheres, tudo isso sobreviveu à ultraindividualista e gananciosa cultura yuppie dos anos 80, mas sobreviverá à “modernidade líquida” anunciada pelo filósofo Zygmunt Bauman e que parece estar a atingir o seu máximo esplendor na era das redes sociais?


O que poderá levar 150 mil pessoas às ruas de Londres para se manifestarem contra um grupo social altamente vulnerável como os imigrantes? O protesto aconteceu no sábado e foi liderado pelo ativista de extrema-direita Tommy Robinson e a multidão moveu-se contra o que diz ser o “apagamento e a substituição da cultura britânica”. Houve um contraprotesto (na foto), mas não juntou mais de cinco mil pessoas.

Para quem se esquece com frequência dos cinco milhões de portugueses que vivem no estrangeiro, convém relembrar que eles são imigrantes também e, obviamente, os que estão no Reino Unido ficam incluídos entre os visados nesta marcha de ódio. Estas pessoas – e muitas outras por toda a Inglaterra – não os querem lá, por muito que o primeiro-ministro Keir Starmer reafirme que não aceita que “cidadãos se sintam intimidados nas ruas por causa da sua origem ou da cor da sua pele”.

O protesto da direita radical teve outra particularidade. A polícia foi atacada por projéteis e houve vários agentes agredidos. Elon Musk, um imigrante a viver nos Estados Unidos da América que tinha apoiado a manifestação, avisou a partir da sua rede social: “A violência está a caminho.”

A violência sempre esteve entre nós. Característica de todo o reino animal, não é o que nos distingue enquanto Humanidade. No caso de Charlie Kirk, o ativista influencer de 31 anos assassinado a tiro na Universidade de Utah Valley, a violência é gasolina numa fogueira muito perigosa. Kirk fazia campanhas contra a vacinação e negava as alterações climáticas – era uma força da ultradireita americana na catequização dos mais jovens.

A direita radical portuguesa aparece agora em primeiro lugar numa sondagem, algo inédito no País. Ao aceitarem e interiorizarem um discurso que quase sempre é de ódio, os portugueses escolhem partir fémures, não curá-los. O altruísmo fica para outra hora, para um novo início da civilização.

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