Bolsonaro tentou contornar o terremoto Moro, apresentando-se ao lado de quase toda a equipe de ministros — incluindo Paulo Guedes —para defender-se das acusações. Mas a emenda pareceu pior que o soneto. Negou que interferisse no trabalho da PF, mas admitiu que buscava um interlocutor direto para conhecer algumas investigações. “Quero um delegado com que eu possa interagir. Porque não?”. A decepção de parte do eleitorado do presidente se cristalizou de imediato. “Bolsonaro não me representa mais, ele se desfez do único herói que o Brasil tinha”, lamentou Ulisses, administrador de Belo Horizonte, que até esta quinta era um ferrenho defensor do atual Governo. Em São Paulo, a analista financeira Debora pulou do barco assim que Moro apresentou suas justificativas para se demitir. “Eu queria o PT fora do poder de qualquer jeito por isso votei no Bolsonaro. Agora, eu acredito mais no Moro do que nele”, diz ela. Tanto Debora como Ulisses integram o grupo de eleitores que aplaudia a Lava Jato, e viu em Moro como ministro a esperança de que o cerco à corrupção seguiria firme com Bolsonaro. É esta base de apoiadores do Governo que começou a se dissolver com a saída de Sergio Moro, mais popular que o próprio presidente Jair Bolsonaro, como mostrou o instituto Atlas Político.
Moro tem 53% de imagem positiva entre os brasileiros, contra 39% de Bolsonaro, segundo o mais recente levantamento do instituto. “Dentro do discurso bolsonarista, o eixo mais resiliente sempre foi relacionado ao combate à corrupção e à criminalidade”, explica Andrei Roman, cientista político da Atlas. “Como responsável pelas principais condenações do Lava Jato e pela prisão do [ex-presidente] Lula, Moro garantiu ao Governo Bolsonaro um selo de legitimidade e autenticidade em relação a esse discurso”, completa.
Seguem firmes, porém, os eleitores radicais que apoiam qualquer decisão de Bolsonaro, e que amplificam suas falas corrosivas, um grupo que lhe dará suporte por algum tempo. A aparição do presidente ao lado dos ministros, incluindo os de patente militar, também promoveram a imagem de que o presidente não está só, e que as Forças Armadas seguem firmes com ele, embora nos bastidores existam muitos sinais de desconforto. “Ainda tem lenha pra queimar. O presidente pode assumir uma narrativa ainda mais agressiva, para consolidar um apoio de 22% dos brasileiros”, avalia Thiago de Aragão, cientista político da Arko Advice. Com essa popularidade Bolsonaro manteria uma perna de sustentação, e o blindaria da pressão de um impeachment, por exemplo. O assunto voltou à baila nesta sexta, com pressão de políticos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para avaliar a saída do presidente do cargo. Já são mais de 20 pedidos de impeachment contra o presidente. Aragão acredita que é cedo para isso. Ele lembra que Dilma Rousseff tinha por volta de 8% de apoio quando foi destituída em 2016.
O ex-presidente Michel Temer (2016-218) também tinha apoio de menos de 10% nas pesquisas, mas contava com apoio do Congresso. Não por acaso o Governo passou a negociar com deputados do Centrão, reconhecidos pelo seu perfil fisiológico – vários deles sob investigação da Lava Jato, inclusive — para ter o apoio que hoje lhe falta. Bolsonaro decidiu bancar a aposta de se aliar a uma ala parlamentar que lhe daria maioria no Congresso para ganhar a queda de braço com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e garantiria governabilidade. Em troca, haveria repartição de cargos. A estratégia, porém, é movediça, na leitura de um experiente observador do comportamento do Centrão. “Há momentos em que não há condições de segurar absolutamente nada”, diz José Eduardo Cardozo, que ocupava o cargo de ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff. “Me recordo no processo de impeachment [em 2016], como as pessoas foram saindo do barco. A sensação é a mesma”, diz Cardozo, que defendeu Dilma nesse período.
O ex-ministro da Justiça acredita que o discurso de Moro em sua saída tem um efeito demolidor para Bolsonaro, independentemente das suas negociações. “O presidente sinaliza que quer interceptar inquéritos que tentam sair, como os das fake news [conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, que pode atingir seu filho Carlos Bolsonaro, suspeito de espalhar notícias falsas para beneficiar o pai]”, diz ele. “Quando alguém quer obstar investigação, usando métodos não republicanos é porque tem algo a esconder”, completa ele, lembrando que da cultura de independência que foi construída a duras penas pela Polícia Federal.
O curto circuito promove mais estragos na imagem já frágil do presidente mundo afora. “Um investidor me disse: ‘Como posso vislumbrar no curto e médio prazo a expectativa de que decisões serão tomadas de modo racional e não emocional no Brasil?”, conta Aragão, lembrando que os donos do dinheiro buscam previsibilidade para fazer suas escolhas. Algo que definitivamente o Brasil perdeu há muito tempo.
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