Todos os países têm problemas de subnotificação de casos, mas existe o temor de que a questão no Brasil seja muito mais grave. O problema da saturação nos hospitais e necrotérios, as 13.000 valas adicionais anunciadas por Bruno Covas, prefeito de São Paulo, e os poucos testes realizados indicam que o impacto da epidemia é muito maior que o retratado pelas cifras oficiais. As autoridades confirmaram 4.205 mortes (40% delas na última semana) e mais de 61.000 contágios. Os casos de milhares de hospitalizados com síndrome respiratória aguda nas últimas semanas ainda precisam ser investigados.
Domingos Alves, professor de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, explica que, além das cifras do Ministério da Saúde, ele analisa registros de cartórios relativos a pessoas falecidas com insuficiência respiratória e pneumonia através do portal de transparência. “As discrepâncias podem chegar a ser o dobro ou o triplo em alguns municípios”, adverte. Os casos reais podem ser 12 vezes mais que os contabilizados, segundo estimativas de um recente relatório de um consórcio de universidades e institutos de pesquisa.
O professor Alves salienta que o Brasil é tão enorme e tão desigual que inclui dinâmicas diferentes, porque nem sequer a qualidade do SUS (Sistema Único de Saúde), que atende os 210 milhões de habitantes, é homogênea. Os especialistas como ele estão surpresos com os altos índices de casos e mortes em cidades como Fortaleza, Manaus e Macapá, a milhares de quilômetros das maiores urbes, mas cujo sistema de saúde é mais frágil. Alves aponta um segundo fenômeno preocupante. Os contágios se distribuem de maneira mais igualitária que as mortes. Em São Paulo e no Rio, as mais afetadas e onde a doença chegou pelas classes altas, “estamos vendo que esta epidemia tem uma taxa de letalidade maior para as classes com mais problemas sociais e em faixas etárias mais jovens”, observa Alves.
Com 407 novas mortes, a quinta-feira passada foi o dia mais letal desde o primeiro contágio, há oito semanas. Silvana Alves Bezerra, de 56 anos, espera com outros parentes, na entrada do cemitério, a chegada do caixão lacrado com seu irmão, que morreu na véspera, após 14 dias internado. Sabem que contraiu a covid-19. “O resultado só saiu ontem (na quarta-feira). Mas, quando chegou, ele já tinha nos deixado. Essas análises são muito lentas”, lamenta.
Conhecer seu diagnóstico ajudará os epidemiologistas a calibrarem a epidemia, mas para a família significa um velório expresso. Pouco mais. Os próximos de Alves Bezerra acabam de ser informados que só poderão velá-lo por 10 minutos. Será enterrado pelos coveiros de macacão branco que atendem os casos confirmados e suspeitos.
O cemitério da Vila Formosa foi dos primeiros em ampliarem sua capacidade por causa da pandemia. Os coveiros abriram na última semana 600 novas sepulturas nesta terra avermelhada que é o descanso final de 1,5 milhão de falecidos. Logo se somarão 13.000 sepulturas a mais nos cemitérios municipais, conforme anunciou o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, porque “o pior está por vir”. Não quer que se repitam as cenas do Equador ou Nova York.
Manaus, a maior cidade da Amazônia, onde as UTIs já estão saturadas, começou a fazer sepulturas coletivas. E comandantes militares estão perguntando oficialmente sobre a capacidade de enfrentar enterros maciços. “Se o Exército pergunta isso é porque está fazendo uma análise estatística quanto à possibilidade de que haja um caos na saúde pública”, advertiu o prefeito aos seus cidadãos, revelando o pedido em um vídeo a seus moradores para insistir na importância do confinamento.
O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, diz desconhecer se o incremento dos últimos dias significa que os contágios aceleraram ou se é resultado de casos antigos que estavam na fila para serem testados. As autoridade sanitárias tardaram em conseguir comprar os testes, mas agora a capacidade de processá-los é insuficiente e a logística para recoletar e analisar amostras é complexa. Alves considera “temerário” que alguns Estados e municípios estejam relaxando as medidas de contenção “sem ter uma gestão adequada dos dados”. Ainda que todas as escolas continuem fechadas, algumas cidades, como Florianópolis, abriram até shopping centers.
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