Muito tem se falado sobre as consequências da pandemia que agora parece inevitável para a economia global e para o Brasil em particular. Os mercados internacionais nos últimos dias refletiram a conscientização repentina de que a epidemia de coronavírus não está circunscrita à China e de que a capacidade que têm outros países de reagir como fizeram os chineses é limitada não apenas pela falta de recursos, mas pela existência de entraves democráticos. Ainda que seja possível impor quarentenas maciças e impedir o deslocamento de pessoas das áreas mais afetadas, ninguém possui o arsenal de monitoramento que a China possui. E é evidente — ainda que profundamente perturbador — que um regime autoritário com enorme capacidade tecnológica para neutralizar as liberdades de seus cidadãos esteja em outro patamar quando se defronta com uma epidemia em larga escala. No atual ambiente onde líderes diversos flertam abertamente com o autoritarismo — alguns mais do que flertam — não é exagero, menos ainda hipérbole, achar que os piores instintos serão atiçados pelo alastramento do coronavírus.
É verdade que há muito pouca informação sobre a doença e que, a depender dos próximos dias e semanas, a atual sensação de pânico deverá se dissipar. Contudo, é precisamente a falta de informação e a incerteza que agravam não apenas as projeções para a economia — a nossa e a dos outros — como também a intensidade da reação de líderes e de governos. Não é nada difícil imaginar que um presidente profundamente despreparado, e com histórico de desprezo pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), resolva juntar seus correligionários e facilitadores para fazer o estrago nas instituições democráticas brasileiras que muitos suspeitam que ele queira fazer. Epidemias, ou o risco de que aconteçam, são situações absolutamente propícias para isso, já que os poderes de exceção, de agir diante de circunstâncias extraordinárias, acaba invariavelmente nas mãos do poder executivo. É pela aplicação dessa lógica que países fecharam fronteiras e suspenderam a entrada de pessoas provenientes de áreas de risco — medidas brandas perto do arsenal que ainda pode ser lançado, sobretudo naqueles lugares onde as instituições estão abaladas pela descrença.
Após o vídeo em que convocou apoiadores a aderirem aos protestos de 15 de março, Bolsonaro foi duramente criticado por líderes da oposição no Congresso, pelo ministro Celso de Mello do STF, por ex-presidentes, por jornalistas, por outras entidades que viram em suas palavras graves riscos à democracia. Em resposta, Bolsonaro chamou as críticas de “ilações”, descartando-as. Ainda que a atitude não reflita qualquer inclinação a adotar ações drásticas perante os riscos de uma epidemia, ela prejudica o Brasil de tantas maneiras que é difícil exagerá-las.
Após o vídeo em que convocou apoiadores a aderirem aos protestos de 15 de março, Bolsonaro foi duramente criticado por líderes da oposição no Congresso, pelo ministro Celso de Mello do STF, por ex-presidentes, por jornalistas, por outras entidades que viram em suas palavras graves riscos à democracia. Em resposta, Bolsonaro chamou as críticas de “ilações”, descartando-as. Ainda que a atitude não reflita qualquer inclinação a adotar ações drásticas perante os riscos de uma epidemia, ela prejudica o Brasil de tantas maneiras que é difícil exagerá-las.
Como não enxergar na atitude presidencial um desprezo que naturalmente desemboca em crise institucional? Lembro a quem quiser ler estas palavras que o crescimento brasileiro está em apenas 1% e que as chances de que permaneça nesse patamar, ou fique abaixo dele, são crescentes, sobretudo com problemas de saúde pública pela frente. Se não for pela via direta da epidemia que testemunharemos o que o Brasil de fato elegeu em 2018, será inevitavelmente pela via da armadilha do crescimento baixo à qual estamos presos. Urge encarar essa realidade.
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