sexta-feira, 6 de março de 2020

Quem mandou nascer pobre no Brasil?

Pobre é uma desgraça. Mora em área de risco para curtir a vista e a natureza, adora fazer cocô e xixi nos rios e no mato, joga lixo e sofá nas encostas e córregos, provoca enchentes e entope bueiros. Pobre causa desmatamento na Amazônia e é o maior inimigo do meio ambiente. Pobre não sabe poupar e, quando aparece um dinheirinho e o dólar favorece, desperdiça com excursão à Disney.

Quem mandou nascer pobre no Brasil? Ainda por cima, pobre sobrecarrega o SUS. É um escândalo. Pobre adoece com frequência, não se cuida e morre até na fila ou no corredor de hospitais, expondo prefeitos, governadores e presidente. Pobre empurra pobre para poder entrar em trem e ônibus superlotados e ir trabalhar. Cadê as boas maneiras em transporte tão inseguro e sucateado?


Estão falando aí de Orçamento impositivo. Com O maiúsculo. Ando mais preocupada com a Pobreza impositiva. Essa miséria que invade nossas casas pela televisão e nos deixa culpados por morar em casas secas, por dar descarga em nossos vasos sanitários e beber água mineral, quando 35 milhões de brasileiros não têm água tratada e 100 milhões não têm coleta de esgoto. Repetindo: metade da população brasileira não tem esgoto.

Pobre tem mania de se apegar à pobreza no Brasil. Tirando craque de futebol, youtuber, funkeiro e algumas exceções só creditadas a uma garra monumental para estudar e a um talento individual excepcional, a carência passa de geração a geração. Muito difícil melhorar de vida se não nascer já numa família de posses.

O Forum Econômico Mundial mostrou que, no ranking de mobilidade social, estamos em 60º lugar entre 82 economias, piorando a cada ano desde 2015. O Brasil só é campeão na desigualdade: nenhuma outra democracia concentra mais renda no 1% mais rico. O pobre deve ter culpa aí também. Por que são eles tantos?

O povo não é bobo. Pobre não sai em manifestações de idolatria a políticos. Às vezes o pobre consegue protestar, como o que jogou lama ao vivo no prefeito bispo Marcelo Crivella. Não jogou ovo nem tomate porque sua geladeira foi destruída. E a casa, submersa pela incompetência de um prefeito que tira dinheiro da prevenção de enxurradas e fecha os olhos a moradias irregulares patrocinadas pela milícia.

Da boca de Crivella, também jorrou lama. Naquele cenário desolador, de mortes, choros e desesperança, Crivella não assumiu sua responsabilidade na coleta ineficiente, sua omissão criminosa apesar de aumentar abusivamente o IPTU. Acusou o pobre. Aquele que perde tudo e vê a vida e os móveis boiando em casa, como num conto de realismo fantástico. O prefeito pediu desculpas depois. Isso já está manjado. O pós-discurso dos governantes é o mesmo. As aspas são sempre “deturpadas pela imprensa”.

Crivella se queixa de sofrer “pré-conceito” por ser “um bispo evangélico”. No culto da igreja, ele prega o Evangelho, “mas aqui na prefeitura não”. Mentira, prefeito. Nas reuniões de trabalho internas, o senhor vive usando citações bíblicas. É Isaías versículo tal e tal. Distribui as bíblias do tio, Edir Macedo, nas salas dos assessores. E canta, no trabalho, músicas sobre o Senhor. Reserve um pouco de amor e compaixão para o pobre.

Como o Rio de Janeiro sofre uma “tempestade perfeita”, ainda temos o Witzel prometendo um manual de comportamento para evitar mortes por balas perdidas em favelas. Manual para morador, bem entendido. Pobre cisma de sair de casa bem na hora em que a polícia está atirando a esmo contra suspeitos. Quem mandou nascer pobre, sem acesso a educação, saúde, moradia, saneamento e segurança? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário