sábado, 19 de outubro de 2019

Clima, prioridade do FMI

Furacões, secas, degelo e outros males ligados à mudança climática são assuntos para bancos centrais e Ministérios de Finanças? Nada mais natural que uma resposta positiva, a julgar pelas posições defendidas no Fundo Monetário Internacional (FMI), nesta semana, por dirigentes da instituição e participantes de pelo menos 16 debates sobre temas ambientais. Dois grandes alertas marcaram as apresentações de técnicos e diretores da instituição, nos últimos dias. O primeiro, de maior impacto imediato para os formuladores de política, veio no estilo tradicional: a economia global está em desaceleração, riscos financeiros se acumulam e é preciso agir para evitar um desastre. O segundo indicou uma visão renovada, e mais ampla, da política econômica: “Ministros de Finanças devem ter papel central na promoção e na implementação de políticas fiscais para deter a mudança climática”, disse o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Vítor Gaspar.


Estará o Fundo, execrado tantas vezes como um dos símbolos mais hediondos do capitalismo, contaminado pela esquerda? Terá sido enfim subjugado pela influência da China, uma das fontes do “climatismo”, como já asseguraram o presidente Donald Trump e seu devoto Jair Bolsonaro? Se esse for o caso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá acertado ao desistir, em cima da hora, de participar da assembleia anual do FMI e do Banco Mundial. As alegadas prioridades internas podem ter sido apenas uma desculpa diplomática.

Para centenas de milhões de outras pessoas, a ampliação da pauta do FMI, de fato iniciada há anos, pode ser estimulante, sem prejuízo da melhor tradição. Quem se deleita com números, contas públicas, crise, crescimento e emprego evita perder as entrevistas de Vítor Gaspar. Ele dirige há anos o Departamento de Assuntos Fiscais do FMI e uma de suas tarefas é supervisionar o Monitor Fiscal, um relatório semestral sobre o estado das contas públicas, as políticas de receitas e despesas e seus efeitos sobre a economia. A informação é de alta qualidade e as questões centrais são normalmente tratadas com vigor.

Neste ano, sua apresentação incluiu dois apelos. Para animar a atividade e prevenir um novo tombo é hora de usar estímulos fiscais, porque os incentivos monetários, até com juros negativos, chegaram ao limite. A outra convocação veio fora do formato tradicional. O aquecimento global é uma ameaça clara e presente, as ações e compromissos foram até agora insuficientes e, quanto mais se esperar, maiores serão os danos e perdas de vida. Para conter o aquecimento em 2% ou menos, dentro dos limites considerados seguros pela ciência, será preciso fazer mais para limitar as emissões de carbono.

A solução mais evidente, segundo o estudo apresentado por Vítor Gaspar, é uma tributação eficaz, calculada para encarecer as emissões e facilitar a transição para uma nova economia, com padrões ambientais mais saudáveis e sustentáveis. Nos principais países emissores a taxação poderia crescer rapidamente e atingir US$ 75 por tonelada de carbono em 2030. Seriam afetados, entre outros, o preço da gasolina e as tarifas de eletricidade. Isso dependeria das características de cada país. Tributar, no entanto, seria só uma parte das ações.

Os governos poderiam, por exemplo, compensar o aumento desses custos com a diminuição de outros impostos. Poderiam criar compensações para as famílias mais pobres. Deveriam, de modo geral, investir parte do dinheiro arrecadado em programas de transição para a nova economia. Os planos deveriam incluir assistência aos trabalhadores mais afetados pela mudança energética.

Ameaça clara e presente foi a primeira noção usada para a abordagem do tema no Monitor Fiscal. Com outro vocabulário, o tema foi usado pela nova diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva, para mostrar a importância econômica da questão climática: “No FMI sempre olhamos para riscos e essa categoria de risco tem de ser absolutamente central para nosso trabalho. (…) A transição de uma economia de alto para uma de baixo carbono não é tarefa trivial e temos a responsabilidade de cuidar da compreensão desses riscos, de classificá-los e – mais importante – de apresentar políticas para geri-los”. No FMI, o calendário indica o século 21. E no Palácio do Planalto?

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