Cada vez fica mais claro que o Brasil está vivendo a Era da Esculhambação, em que os três Poderes se mostram altamente despreparados. O maior problema é a desmoralização do Supremo, porque a Justiça é o fator de equilíbrio institucional do país, ao exercer na democracia uma espécie de poder moderador, que substitui o papel do rei na monarquia. É o Supremo que declara se atos do Executivo ou do Legislativo devem ser revogados.
Justamente por isso, quando a Justiça não funciona bem, todo o resto fica destrambelhado, como está acontecendo agora, no caso desta estranhíssima Lei de Toffoli, criada por ele num momento de intensa luminosidade intelectual.
Para início de conversa, a decadência da Justiça ficou evidenciada desde que os ministros do Supremo sepultaram as leis (são várias) que declaram as hipóteses de suspeição do magistrado, impedindo que participe de julgamento de réu com o qual tenha estabelecido relações diretas ou indiretas em alguma fase da vida, inclusive através de parentes, e esse impedimento abrange também o caso de relacionamento com os advogados da causa.
Há ministros do Supremo – como Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski – que jogaram essas leis na lata do lixo, jamais se declaram suspeitos, nem mesmo quando se trata de julgar um amigo íntimo, como nos casos de Toffoli e José Dirceu, Gilmar e Michel Temer ou Lewandowski e Lula da Silva.
E essas relações são públicas e notórias, por demais conhecidas pela opinião pública, porque motivam frequentes reportagens. Mesmo assim os três ministros jamais se declaram suspeitos, e não acontece nada, porque o Supremo é inatingível, como topo da pirâmide institucional, com o salário de seus membros sendo considerado teto na União, Estados e Municípios.
Agora mesmo, ao invés de decidir liminar escatológica, que está garantindo a impunidade de criminosos de alta periculosidade, como os chefes das facções PCC e CV, Toffoli deveria se julgar suspeito, por estar blindando não somente a própria mulher, mas também a mulher de seu melhor amigo e preceptor no Supremo, o ministro Gilmar Mendes.
Como se sabe, as advogadas Roberta Maria Rangel (Toffoli) e Guiomar Feitosa (Gilmar) foram apanhadas na malha fina do Coaf, com movimentações atípicas. Mais do que isso, porém, o próprio Toffoli sofreu um flagrante na mesma situação, quando vazou a notícia de que ele recebe (ou recebia…) uma mesada de R$ 100 mil mensais da mulher.
Segundo a revista Crusoé, os repasses saem (ou saíam) de uma conta de Roberta Rangel no Itaú, com destino a outra mantida em nome do casal no banco Mercantil do Brasil. Os depósitos foram realizados ao menos de 2015 a 2018 e somam R$ 4,5 milhões. Dos R$ 100 mil mensais, a metade (R$ 50 mil) era transferida para a ex-mulher do ministro, Mônica Ortega. Ainda segundo a reportagem, a conta era operada por um funcionário do gabinete de Toffoli, vejam a que ponto chegamos.
Ao instituir essa nova “legislação” que suspende inquéritos e processos oriundos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, da Receita e do Banco Central, o criativo ministro Toffoli não conseguiu blindar inteiramente o senador Flávio Bolsonaro (PLS-RJ), que tem inquérito de enriquecimento ilícito em andamento, mas blindou a si próprio, além de suas duas mulheres (a anterior e a atual) e também a atual esposa de Gilmar. Aliás, no governo Temer, o ministro conseguiu abrigar sua primeira mulher na diretoria da Itaipu Binacional, vejam como em Brasília tudo funciona interligado.
Quanto à Lei de Toffoli, é um monstrengo jurídico que vai ter vida curta. Os ministros do Supremo estão calados e este silêncio é muito significativo. Em agosto, na primeira sessão em plenário, ficaremos sabendo se ainda há juízes que merecem envergar o manto sagrado que alguns fazem questão de emporcalhar.Carlos Newton
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