domingo, 2 de junho de 2019

Angst

Ararinha azul agora só em cativeiro 
É um nó no peito todo dia. Palavra curta, que puxa pra dentro e trava na garganta. Sentimento de aspereza universal. É o pesadelo da lama no sono mal dormido das famílias de Santa Bárbara. É a caça por esporte, o grande desmonte autorizado, leilão de terras, leilão de águas, um monte de frutas e folhas gordas criadas em agrotóxico, em três meses mais de quinhentos milhões de abelhas mortas. É uma chuva de balas disparadas dos helicópteros, chave de braço nas ruas, nos bares, dentro das casas, epidemia de dengue e de suicídio. É um boçal no poder gastando um país como quem ganhou na loteria, é o blá-blá-blá da meritocracia, tragédia com data marcada, uma agenda de calamidades, uma gente lunática emendando e remendando a lei, o dito que fica por não dito e a vontade de matar multiplicada por vinte. É uma gente orgulhosa da própria selvageria, profissional em causar medo, uma fileira de dezenove cabeças de onça sem corpo no Pará, incêndio na escola dos Pankararu, tiros contra os Guarani-Kaiowá, ameaças de morte aos Yaminawá. E no meio desse atoleiro todo, uma notícia de longe, que soa como fábula, de um ex-caçador na ilha de Sumatra, hoje guarda florestal, que um dia ouviu o choro do pássaro calau e teve vergonha do que fazia. Um ex-caçador desde que ouviu o choro do calau que não morria, quatro vezes atingido e não morria. Mas qual pássaro, se chorasse, nos envergonharia? A ararinha azul é que já não pode ser, que a ararinha azul já está extinta no Brasil.
Mariana Ianelli

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