Bolsonaro cercou-se daqueles que o confortam com os fundamentos da farda e compartilham, ao seu lado, de uma visão de mundo nacional-estatista e conservadora. Direito legítimo optar pelos camaradas em quem confia. Algo conveniente e ao mesmo tempo arriscado. Não é de bom tom discriminar interlocutores de outras platitudes. Há um inegável déficit de articulação política, tanto em relação ao Congresso quanto junto ao Judiciário. E o generalato não ajuda em nada nesse sentido. No plano da economia, no entanto, a história é outra. Aqui o presidente expressa, por enquanto, alguma sabedoria. Flertou com o modelo neoliberal desde que conheceu o economista Paulo Guedes e enxergou nele a tampa da panela. Juntos cozinharam a pajelança do desmonte do setor público em doses homeopáticas de privatização. Se levarão adiante é outra história. Bolsonaro acredita piamente, desde a fase como parlamentar, no princípio do Estado indutor, com uma agenda de valores e costumes que zela pelos interesses da população, com bancos públicos exercendo funções sociais e o petróleo compondo a partitura de bens estratégicos. Já Guedes, da escola ultraliberal de Chicago, infestou o governo com seus companheiros de mercado, todos de uma competência indiscutível no campo da livre iniciativa, com visão muito peculiar sobre as prerrogativas de um Estado mínimo. Se as duas correntes vão se chocar ou se fundir é um mistério. O presidente eleito, de todo modo, não comprou por completo as teses do czar da economia e já lhe passou pitos públicos quando ele esboçou uma proposta de reedição da CPMF e mesmo quando tratou da reforma previdenciária em modelo mais estendido. O presidente dá corda aos pendores reformistas de Guedes — até porque conhece pouco ou nada de Banco Central independente, negociação de dívida pública, instrumentos contra oscilações monetárias e outras chatices dessa natureza —, mas segue com um pé atrás. Resistiu à nomeação de Joaquim Levy para o BNDES e cedeu com ressalvas: “Quem ferrou o Brasil foram os economistas”, tascou como uma espécie de aviso premonitório de que, lá na frente, pode vir a mexer na escalação do golden boy. Há outras nuances na composição do seu governo. O nepotismo, por exemplo. Não há como negar a força e influência que os três filhos do mandatário terão daqui para frente. Observe-se o comportamento do deputado Eduardo Bolsonaro que, nos últimos dias, liderou uma comitiva diplomática a Washington, tal qual um chanceler informal, e de lá emitiu decisões peremptórias. A embaixada brasileira será em Jerusalém, estabeleceu unilateralmente contra toda e qualquer resistência que havia se formado desde que a ideia foi aventada apenas como possibilidade pelo próprio futuro chefe da Nação. Eduardo, de sua parte, não hesitou em cravar. Pergunta-se: que outro auxiliar, assessor informal ou seja lá a futura função que venha a assumir no governo em formação, teria tamanha ousadia em estabelecer uma escolha dessa envergadura sem o beneplácito do mandatário? Apenas alguém da família que goza de plena autonomia para tanto. Seu irmão, Carlos Bolsonaro, também exibe uma onipresença que irrita aliados e é tido como o mais próximo conselheiro do pai. Já travou batalhas com o ministro Gustavo Bebianno, que irá comandar a Secretaria-Geral de Governo, e atira para todos os lados na rede social contra quem se interpõe a ele. Esse formato peculiar de governo — com tantas variáveis militares, familiares e quetais — começa a ser testado dentro de pouco tempo. Não se pode dizer que é um modelo moldado ao fracasso. É apenas diferente. O tempo dirá o quão bem-sucedido ele eventualmente pode vir a ser.Carlos José Marques
terça-feira, 4 de dezembro de 2018
Diga-me com quem governas e eu te direi quem és!
Bolsonaro cercou-se daqueles que o confortam com os fundamentos da farda e compartilham, ao seu lado, de uma visão de mundo nacional-estatista e conservadora. Direito legítimo optar pelos camaradas em quem confia. Algo conveniente e ao mesmo tempo arriscado. Não é de bom tom discriminar interlocutores de outras platitudes. Há um inegável déficit de articulação política, tanto em relação ao Congresso quanto junto ao Judiciário. E o generalato não ajuda em nada nesse sentido. No plano da economia, no entanto, a história é outra. Aqui o presidente expressa, por enquanto, alguma sabedoria. Flertou com o modelo neoliberal desde que conheceu o economista Paulo Guedes e enxergou nele a tampa da panela. Juntos cozinharam a pajelança do desmonte do setor público em doses homeopáticas de privatização. Se levarão adiante é outra história. Bolsonaro acredita piamente, desde a fase como parlamentar, no princípio do Estado indutor, com uma agenda de valores e costumes que zela pelos interesses da população, com bancos públicos exercendo funções sociais e o petróleo compondo a partitura de bens estratégicos. Já Guedes, da escola ultraliberal de Chicago, infestou o governo com seus companheiros de mercado, todos de uma competência indiscutível no campo da livre iniciativa, com visão muito peculiar sobre as prerrogativas de um Estado mínimo. Se as duas correntes vão se chocar ou se fundir é um mistério. O presidente eleito, de todo modo, não comprou por completo as teses do czar da economia e já lhe passou pitos públicos quando ele esboçou uma proposta de reedição da CPMF e mesmo quando tratou da reforma previdenciária em modelo mais estendido. O presidente dá corda aos pendores reformistas de Guedes — até porque conhece pouco ou nada de Banco Central independente, negociação de dívida pública, instrumentos contra oscilações monetárias e outras chatices dessa natureza —, mas segue com um pé atrás. Resistiu à nomeação de Joaquim Levy para o BNDES e cedeu com ressalvas: “Quem ferrou o Brasil foram os economistas”, tascou como uma espécie de aviso premonitório de que, lá na frente, pode vir a mexer na escalação do golden boy. Há outras nuances na composição do seu governo. O nepotismo, por exemplo. Não há como negar a força e influência que os três filhos do mandatário terão daqui para frente. Observe-se o comportamento do deputado Eduardo Bolsonaro que, nos últimos dias, liderou uma comitiva diplomática a Washington, tal qual um chanceler informal, e de lá emitiu decisões peremptórias. A embaixada brasileira será em Jerusalém, estabeleceu unilateralmente contra toda e qualquer resistência que havia se formado desde que a ideia foi aventada apenas como possibilidade pelo próprio futuro chefe da Nação. Eduardo, de sua parte, não hesitou em cravar. Pergunta-se: que outro auxiliar, assessor informal ou seja lá a futura função que venha a assumir no governo em formação, teria tamanha ousadia em estabelecer uma escolha dessa envergadura sem o beneplácito do mandatário? Apenas alguém da família que goza de plena autonomia para tanto. Seu irmão, Carlos Bolsonaro, também exibe uma onipresença que irrita aliados e é tido como o mais próximo conselheiro do pai. Já travou batalhas com o ministro Gustavo Bebianno, que irá comandar a Secretaria-Geral de Governo, e atira para todos os lados na rede social contra quem se interpõe a ele. Esse formato peculiar de governo — com tantas variáveis militares, familiares e quetais — começa a ser testado dentro de pouco tempo. Não se pode dizer que é um modelo moldado ao fracasso. É apenas diferente. O tempo dirá o quão bem-sucedido ele eventualmente pode vir a ser.Carlos José Marques
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