terça-feira, 12 de setembro de 2017

O Relógio do Apocalipse

Há uma nova data para o fim do mundo: 23 de setembro. Pela minha experiência, já bastante vasta em matéria de fins de mundo, estou certo de que será outro imenso fracasso. Nem conheço evento que tenha sido anunciado tantas vezes, desde há milênios, sem jamais se ter cumprido. As atuais previsões asseguram que o planeta explodirá na sequência de uma colisão com um asteroide. O fato de não haver nenhum asteroide a aproximar-se de nós não parece desanimar os profetas. Segundo eles é um asteroide invisível.

Quanto a mim, embora não acredite que o mundo vá acabar a 23 de setembro, destruído por um asteroide, confesso que me sinto um pouco inquieto. Até recentemente, o fim do mundo não dependia de nós, seres humanos. Apenas um terrível desastre cósmico poderia extinguir a vida na Terra. Entretanto, progredimos muito na técnica da matança e da destruição em larga escala. No tempo em que os homens se matavam à espadeirada era até compreensível a expressão “arte da guerra”. Um duelo à espada tinha algo de bailado. Os homens matavam-se olhando-se nos olhos. Com o progresso tecnológico passamos a matar à distância, cada vez mais à distância, no limite, através de drones ou de mísseis telecomandados. Matam-se populações inteiras como quem extermina baratas. Na guerra, todo o progresso é barbárie.

Hoje temos a capacidade de destruir o planeta. Tenho mais medo dos homens do que dos astros. Confio mais em qualquer asteroide do que em Donald Trump ou Kim Jong-Un.
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Em 1947, um grupo de cientistas criou um relógio simbólico, o Relógio do Apocalipse, que tenta alertar para a probabilidade de ocorrência de um cataclismo nuclear. Quando foi criado faltavam sete minutos para a meia-noite — sendo a meia-noite o grande desastre. Depois disso o relógio tem sido atrasado e adiantado, consoante sopram os ventos da estupidez ou do bom senso. Em 1953, ano em que tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética realizaram ensaios nucleares, esteve a dois minutos da meia-noite. Nos anos seguintes, afastou-se. Em 1991, depois que a União Soviética e os Estados Unidos assinaram o Tratado para a Redução de Armamentos Estratégicos, o ponteiro recuou até os 17 minutos. Desde então não tem feito outra coisa senão aproximar-se da meia-noite. Está agora, outra vez, muito perto dos dois minutos.

A minha filha Vera, de 13 anos, perguntou-me, após escutar as notícias sobre a explosão experimental de uma bomba de hidrogênio, na Coreia do Norte, o que podemos fazer para evitar uma guerra nuclear. A pergunta apanhou-me de surpresa:

“O que podemos fazer? Quem, nós, ou os políticos?”.

“Nós, as pessoas comuns. Não podemos culpar os políticos se nós ficarmos quietos. Tu, por exemplo, achas que fazes o suficiente?”

Fiquei a pensar naquilo. Hoje em dia já há quem se dedique a conceber estratégias e artefatos para impedir que a Terra possa, um dia, vir a ser destruída por um asteroide. Nada contra. No imediato, contudo, faria muito mais sentido se tentássemos responder à questão da minha filha: “O que estamos fazendo para impedir um conflito nuclear? O que podemos fazer?”.

Ganhar consciência de que é urgente fazer alguma coisa já me parece um bom começo.

Revi, há poucos dias, “Wild river” (“Rio violento”), filme que o diretor grego-americano Elia Kazan rodou em 1960. O filme conta a história de um funcionário de uma agência governamental norte-americana, interpretado por Montgomery Clift, enviado para uma pequena localidade, na margem do rio Tennessee, em vias de ser submersa devido à construção de uma barragem. A missão do funcionário é a de convencer uma velha senhora a abandonar a sua casa, numa ilha, levando consigo os trabalhadores rurais. A senhora recusa-se a sair e um dos trabalhadores permanece ao seu lado. Quase no fim do filme, enquanto as águas do rio sobem, o personagem representado por Montgomery Clift vê o camponês a arar a terra como se nada estivesse acontecendo.

Receio que, no momento atual, aquele camponês sejamos nós: os ponteiros do relógio avançam, e prosseguimos, indiferentes, a rotina de todos os dias. Infelizmente, como lembra um provérbio angolano: a cegueira não salva o cego do ataque do leão.

Sempre que escuto o argumento da dissuasão nuclear — “temos de ter armas nucleares para evitar que o inimigo use armas nucleares” —, sinto que estão insultando a nossa inteligência. Tentar prevenir uma guerra produzindo armamento cada vez mais letal é como pretender prevenir incêndios distribuindo lança-chamas pelos pirômanos. Se as armas existem, então um dia alguém as utilizará.
O mundo não terminará a 23 de setembro. Mas enquanto não conseguirmos desmantelar todo o armamento nuclear estará sempre à beira do fim. 

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