quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Titanic

Sexta-feira, dia 4. Noite, 15 graus. Um grupo de uns 50 jovens, com pouco mais de 20 anos, portando três bandeiras negras do anarquismo, alguns mascarados, a maioria de cara limpa, fecha a pista direita da avenida Paulista. Eles caminham gritando palavras de ordem contra os políticos de maneira geral, desde o vão do MASP (Museu de Arte de São Paulo) até quase a esquina da rua da Consolação. Param. Fazem uma rápida assembleia, decidem voltar pela faixa esquerda. Andam um quarteirão, e indecisos param novamente, e resolvem descer a rua Augusta, em direção ao centro.

Vários carros e motocicletas e dezenas de homens da Polícia Militar acompanham o protesto, perfazendo o triplo do número de manifestantes. Um policial fardado e outro à paisana filmam a passeata que segue organizadíssima. Embora causem enorme confusão no trânsito, em pleno horário de rush, não se ouve nenhuma buzina. Nas calçadas, apressados, passam os transeuntes pendurados em seus celulares, driblando os camelôs que apregoam seus produtos. Anestesiada, a noite cruza os braços de frio.

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Dois dias antes, em Brasília, 263 deputados federais garantiram a aprovação do parecer do tucano Paulo Abi-Ackel favorável ao arquivamento da denúncia de corrupção passiva contra o presidente não eleito, Michel Temer. Para alcançar seu objetivo, Temer não precisou recorrer a conversas privadas, extraoficiais, como a que deu origem à acusação do empresário Joesley Batista, da JBS. Deixando de lado o pudor, Temer passou os últimos dois meses dedicando-se exclusivamente a editar medidas e a negociar emendas que assegurassem os votos necessários para a salvação do seu mandato – e, para isso, mandou às favas a decência e as contas públicas.

Naquele dia, não havia, em frente ao prédio do Congresso Nacional, carros de som de centrais sindicais, nem estandartes de partidos políticos, nem patos gigantes, nem bandeiras nacionais: apenas o olhar incrédulo do pedreiro, garçom e pintor mineiro, André Rhouglas, que, após percorrer de ônibus 910 quilômetros em 15 horas para acompanhar a votação, se viu sozinho com a faixa de “Fora Temer”. O fenômeno se repetiu Brasil afora: quarta-feira, dia 2, era apenas mais uma data como outra qualquer.

Na madrugada de 15 de abril de 1912, o gigantesco navio RMS Titanic afundou, após abalroar um iceberg, nas águas geladas do Atlântico Norte. Nele estavam 2.224 pessoas, entre passageiros e tripulantes – 1.514 das quais, ou seja, 68% do total, morreram afogadas ou congeladas. Quase metade dos que perderam a vida, 696, eram tripulantes (ou seja, carvoeiros, foguistas, mecânicos, cozinheiros, mordomos, etc) – outros 528 eram passageiros da 3ª classe. Dos passageiros ricos, que ocupavam a 1ª classe, 62% sobreviveram; na segunda classe, 41% se salvaram; enquanto, entre os pobres da 3ª classe, apenas um em cada quatro permaneceram vivos.

Segundo índice da Confederação Nacional da Indústria, aferido entre março e julho, o medo do desemprego chegou a 66,1 pontos, o quarto maior da série histórica iniciada em 1999. A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro para este ano, segundo a otimista projeção do Fundo Monetário Nacional, deve ser de apenas 0,2%. E nosso índice de homicídios, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde, com base em dados de 2015, é 30,5 assassinatos por 100 mil habitantes, número que vem crescendo ano a ano.

O pior de tudo, entretanto, é esta estranha sensação de calmaria, a mesma que antecedeu o desastre do Titanic. Na época, não se sabia que um mar de águas muito tranquilas é sinônimo da presença de icebergs. Somos um navio sem comandante navegando a pleno vapor na noite escura. Se ainda tivéssemos esperança de que lá na frente alguém comprometido com o salvamento do país assumiria o controle... mas nem isso... Aqui a história se repete de maneira cruel: quem sofrerá as consequências será, como sempre, o pessoal que ocupa a terceira classe, os pobres. E os ratos serão os primeiros a abandonar o barco...

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