quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Direitos indígenas esbarram na bancada ruralista

Organizações protetoras dos direitos indígenas aproveitaram o 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, para denunciar a articulação de parlamentares ligados ao agronegócio para barrar políticas de disposição de terras aos povos nativos do Brasil.

A Constituição atribui ao Estado o dever de demarcar terras indígenas, que são áreas destinadas à sustentabilidade dos povos nativos. Existentes em todos os estados brasileiros, elas abrangem cerca de 14% da superfície nacional (1.173.807 km²) e, salvo situações excepcionais, não podem ser exploradas por não índios.

Porém, para membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) – entidade que reúne 231 deputados e 25 senadores de diversos partidos e que representa os interesses do agronegócio – essa prerrogativa é um entrave para o desenvolvimento do país. "Nós somos 210 milhões de brasileiros, e os índios não chegam a 1 milhão, e eles detêm 13,8% do território nacional. [Deste percentual] nós temos a informação de que 8% é de terras passíveis da agricultura", argumenta o deputado Nelson Padovani (PSDB-PR) em vídeo divulgado pela bancada.

O presidente da FPA, deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), defende que os indígenas possam estabelecer parcerias para explorar as suas terras. "Eu acho que o índio tem que ter a prioridade [sobre o uso da terra], a escolha é dele. Mas claro que ele pode também terceirizar isso por falta de tecnologia, equipamento. Em algumas situações, por exemplo a questão mineral, é óbvio que ele vai precisar de parceiros. Se até uma empresa brasileira busca parceria, por que o índio não iria buscar? O que ele precisa ter é autonomia para isso, o que ele precisa ter é lucratividade com isso", argumenta.

A questão da exploração por terceiros é contraposta por defensores dos direitos dos nativos. Segundo Artionka Capiberibe, professora de antropologia da Unicamp, os interesses desses parlamentares estão voltados para um modelo econômico desenvolvimentista. "Todo o trabalho [dos ruralistas] é tentar manter os indígenas na invisibilidade. É fazer com que eles se tornem 'brasileiros', integrá-los à sociedade nacional. Com isso, o único lugar que vai lhes caber é o da pobreza. Por isso que a terra é fundamental, porque com ela não tem dependência", argumenta.

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Dos 896.917 índios brasileiros (cerca de 0,5% da população), 57,7% habitam terras indígenas (TI). A maior extensão de terras indígenas (98%) está na Floresta Amazônica e tem papel importante na preservação ambiental. Um estudo realizado pela World Resources Institute (WRI) constatou que as taxas anuais de desmatamento são 2,5 vezes menores dentro de terras demarcadas.

O geógrafo Giba Wataramy, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), resume a importância da terra para os nativos: "Numa palavra que expressa bem essa perspectiva, os guarani dizem: tekohá. Traduzindo de forma aproximada, significa: 'o lugar onde se é'. Ou seja, o guarani, e podemos aplicar isso a todos os povos indígenas, só pode se realizar como povo tendo seu território como referência. Nisso, ser e estar se misturam".

Capiberibe ressalta que a interferência sobre a cultura dos nativos remonta à época colonial, quando os colonizadores portugueses forçavam os deslocamentos de populações inteiras de suas terras natais para as cercanias dos núcleos coloniais. Conhecidas como descimentos, essas práticas buscavam facilitar a catequização e o uso da mão de obra dos indígenas.

O ponto de virada na forma como o Estado enxerga o tema, conforme a pesquisadora, ocorreu apenas com a Constituição de 1988. "Antes, a questão indígena no Brasil era tratada dentro da lógica de transformá-los numa massa produtiva e, com isso, acabar com a sua distintividade sócio-cultural." Nesse sentido, as políticas propostas pelos ruralistas seriam um "retrocesso àqueles tempos".

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