quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Hábitos noturnos da República

Se os tempos fossem outros, os veículos de comunicação certamente se veriam forçados a escalar repórteres para dar plantão à porta do Palácio do Jaburu depois das 22 horas – e, a depender do movimento, por toda a madrugada.

Por habito, segundo já confessou o presidente Michel Temer, ou talvez para manter sigilo sobre certos encontros, é no escuro da noite, se necessário no protegido porão do palácio que ele cumpre seu terceiro expediente diário de trabalho.

Isso quase lhe custou o mandato presidencial. Um dos seus visitantes noturnos, o empresário Joesley Batista, foi admitido no palácio com o nome falso e gravou o que disse a Temer e o que ouviu dele. Desde então se instalou por lá um equipamento anti-grampo.

Sábia providência. Que devolveu a Temer a confiança para insistir na prática. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é assíduo frequentador do Jaburu, sem discriminar entre o dia e a noite, sempre ocupado em fazer “análises de circunstâncias”.

A mais recente ida de Gilmar ao palácio foi no último domingo, véspera da entrada no STF da arguição de suspeição e impedimento do procurador-geral da República Rodrigo Janot apresentada pela defesa do presidente da República. Dará em nada.


Na última terça-feira, depois das 22 horas, foi a vez de Raquel Dodge, que sucederá a Janot no cargo, visitar Temer no Jaburu. O encontro teria escapado à atenção dos jornalistas se não fosse o registro acidental feito por um cinegrafista.

Que assunto urgente e aparentemente grave levaria Dodge a reunir-se com Temer em horário tão impróprio? A reunião não constava da agenda oficial de nenhum deles. Dodge explicou depois: foi para tratarem de detalhes da cerimônia de posse dela em setembro. E só.

Sabe-se que Dodge, por temperamento, é centralizadora. Quer estar a par de tudo do que lhe compete e a seus subordinados. Temer é mais ou menos assim também. Quem sabe não preferiram cuidar eles mesmos dos detalhes da cerimônia?

Tipo: em que local ela ocorrerá – no maior salão do Palácio do Planalto ou em outro menor? Os dois entrarão juntos – ou Dodge primeiro e depois Temer? Haverá um coquetel mais tarde? Para quantas pessoas? Onde? O que será servido? Por quantos garçons?

Nem de longe os dois se preocuparam com o risco de o encontro ser mal interpretado. São representantes de poderes distintos. Os bons costumem sugerem que pessoas assim se reúnam à luz do dia, respeitados todos os protocolos, informado o distinto público.

Foi Temer que preferiu escolher Dodge para o cargo, desprezando o nome mais votado pelos procuradores da República na lista tríplice que lhe foi enviada. Ela foi a segunda mais votada. O primeiro mais votado era do gosto de Janot, que considera Dodge uma “víbora”.

A futura procuradora-geral da República está decidida a devolver o Ministério Público ao seu leito natural. Por tal coisa, entenda-se, um Ministério Público mais ortodoxo, cioso das regras, que não se deixe encantar pelo foto-fátuo das operações correntes. Entenderam?

Dodge é fiel depositária da esperança de todos, principalmente dos políticos, que se julgam alvos de injustiças que poderão lhes custar o mandato e a liberdade. Deveria sentir-se, pois, obrigada a zelar com severidade pelas aparências e a preservar a dignidade do cargo.

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