No começo deste ano, a corte eleitoral ainda analisava as contas de 2011 e teve de fazer uma força-tarefa para dar cabo de fazê-lo antes que prescrevessem. O passivo sem análise, contudo, segue à mercê do tempo, aumentando o risco de impunidade.
Ademais, essa prestação de contas ainda ocorre de modo extremamente rudimentar. Em pleno ano de 2017, no curso de uma das mais graves crises políticas de todos os tempos, os partidos políticos brasileiros ainda enviam suas contas ao órgão de controle apenas uma vez ao ano, em pedaços de papel.
Já seria grave, mas é pior. Levantamento da consultoria Pulso Público analisou as fotografias publicadas na página de internet do TSE dos balanços contábeis dos cinco maiores partidos em termos de representação na Câmara dos Deputados, nos três últimos anos disponíveis. Esse estudo demonstrou que:
1. O modo como as contas estão prestadas contraria a Lei de Acesso a Informação (Lei 12.527/2011), que determina que esse tipo de arquivo esteja publicado em formato aberto.
2. Não há padronização das rubricas nas quais são feitos os lançamentos e grande parte das rubricas de despesa é ampla o suficiente para impedir que se identifique com precisão a destinação dos recursos. Em muitos casos, milhões de reais são alocados em rubricas genéricas como “serviços técnico-profissionais”, “manutenção da sede e serviços do partido” e “despesas com fins eleitorais”.
3. O nível de detalhamento das informações apresentadas difere muito entre os partidos e a cada ano.
4. As transferências a diretórios estaduais e municipais ultrapassaram R$ 420 milhões no período considerado, desconsideradas as transferências com fins eleitorais. Desse montante, quase R$ 190 milhões provieram de recursos do Fundo Partidário. Demonstrativos contábeis dos diretórios estaduais dos partidos são publicados nos sites dos tribunais regionais eleitorais dos estados, mas na maioria dos casos, essas publicações não estão padronizadas, além de estarem incompletas e desatualizadas.
5. As transferências para as fundações e institutos ligados aos partidos somaram mais de R$ 160 milhões no período e praticamente todo desse montante proveio do Fundo Partidário, mas não estão disponíveis dados sobre o emprego desses recursos sequer nas páginas de internet das respectivas instituições.
A autonomia dos partidos políticos é constitucional, mas não absoluta. O princípio republicano que pauta nosso pacto social impede que se utilize dessa garantia para obstruir o aumento da oxigenação das agremiações ou limitar a transparência que é dada ao uso dos tributos pagos por toda a sociedade.
Entre 2013 e 2015, o Fundo Partidário entregou mais de 1 bilhão e 600 milhões de reais em dinheiro público aos partidos. É evidente que devem prestar contas à sociedade que os financia e para a qual são o único instrumento de representação política possível.
Mal fiscalizados, os partidos políticos surgem como veículos de desvios em praticamente todos os escândalos noticiados. Não importa, portanto, o modelo de financiamento partidário e eleitoral vigente; se não houver regras e procedimentos que favoreçam a transparência e a efetividade da fiscalização dos recursos utilizados pelos partidos políticos, permanecerão estruturais os riscos de corrupção do sistema político brasileiro.
Constatada a conjuntura e a partir dessas premissas, constitui-se desde o final de 2016 o Movimento Transparência Partidária, um agrupamento de cientistas políticos, jornalistas, advogados, cidadãos engajados e ativistas, além de profissionais liberais de diversos campos de atuação e matizes ideológicos.
Convicto de que para mudar a política é preciso reformar os partidos, o grupo busca sensibilizar as instituições, conscientizar e mobilizar a opinião pública a respeito da necessidade de alteração legislativa para determinar que as contas dos partidos políticos brasileiros sejam padronizadas, atualizadas e acessíveis via internet para qualquer pessoa conseguir acompanhá-las e entendê-las.
No dia 20 de junho, a Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados recebeu em para participar das discussões que visam alterar as regras que estruturam nosso sistema político. Nessa ocasião, o Movimento Transparência Partidária chamou a atenção dos deputados para a necessidade de criar mecanismos e incentivos de publicidade e controle social sobre as contas dos partidos políticos, a fim de que a sociedade civil organizada, a imprensa e os próprios filiados possam ser colaboradores ativos do processo de fiscalização do uso desses recursos.
No mês passado, o relator da Comissão Especial, deputado Vicente Cândido (PT/SP), apresentou complementação de voto para alterar a Lei dos Partidos Políticos, de modo a vincular a garantia de autonomia dessas instituições à observância dos seguintes princípios:
1. Gestão democrática e participação dos filiados;
2. Renovação periódica nos cargos de direção e deliberação dentro dos partidos;
3. Transparência no que à utilização de recursos públicos e privados.
Nesta quarta-feira, a Comissão Especial votará o relatório do deputado Vicente Cândido. É preciso que a opinião pública esteja atenta à preservação desses dispositivos. Ainda mais quando se cogita estabelecer um fundo público bilionário para financiamento de partidos e campanhas. Dar mais transparência à utilização desses recursos é a contrapartida mínima que se deve exigir diante do novo modelo proposto.
A crise de representatividade que vivemos coloca em risco importantes avanços civilizatórios e sua superação demanda novos paradigmas de transparência e controle social de nossas instituições políticas. Essas medidas talvez não sejam suficientes, mas certamente estão alinhadas aos valores e às melhores práticas da democracia no século XXI.
Marcelo Issa
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