Na semana passada, classificou-se como fracassado um ato em São Paulo — com a presença do ex-presidente e em desagravo a ele — que não reuniu mais que duas mil pessoas. Entendo que a percepção imediata seja essa. Se a expectativa era por um comício do catalisador que Lula foi em 1989 (e, ainda enganando, até 2002), o fracasso fica tão evidente quanto a inocência da expectativa. Já não há ilusões acerca do ex-popular. Isso não significa que não tenha votos nem que sua pregação, convertidos. Se é provável que os 20% de lulistas convictos tenham se tornado minoria silenciosa, certo é que votarão — incondicionalmente — nele. Certo é também que um candidato não precisará de muito mais para estar no segundo turno em 2018.
Hoje, o que interessa a Lula é menos a concentração de audiência num evento — menos cultivar a própria mitologia — do que a frequência de oportunidades para repetir sua narrativa entre os seus. Não interessa se para jornalistas puxa-sacos, se para rádios dos grotões ou se para um milhar de mortadelas, a intenção de Lula ao falar é apenas uma: martelar-se como vítima para seu público.
Vitimizar-se somente, no entanto, não basta para sustentar um discurso competitivo até a eleição. Aí que entra o zumbi PT.
O próprio protagonismo de Gleisi é ilustrativo do processo acelerado de autodestruição a que Lula submete o PT para sobreviver individualmente e, com sorte, reencaixar seu projeto de poder — o partido desmorona enquanto seus escombros lhe servem de plataforma ao derradeiro comício. Nessa ruína, sim, Gleisi foi a escolhida. Não como alternativa presidencial. Mas como boi de piranha — agente detonadora da radicalização do discurso petista.
Mero utensílio tático, a senadora verbaliza a estratégia traçada pelo ex-presidente. Enquanto ele viaja Brasil adentro se vitimizando profissionalmente e se apregoando como candidato suprapartidário da esquerda, ao partido cabe se atirar ao precipício do ataque raivoso, cuspir fogo na gasolina esquerdista, reinventar a tal elite opressora, disparar contra a imprensa e, sobretudo, centrar munição em Sergio Moro. Tudo para robustecer as circunstâncias necessárias a uma campanha eleitoral como jamais houve, judicializada, a ser esgrimida nos tribunais pelo senso de oportunismo lulista — o ambiente incerto, institucionalmente miserável, em que um tipo como Lula cresce.
O PT afunda, como escada na lama, para que ele, acima de partidos, suba.
Qualquer outro em seu lugar estaria liquidado para as urnas. Por muito menos, Aécio Neves está. Condenado a quase dez anos de prisão, ainda assim Lula encontrou a vereda — a politização de sua condição de réu — por meio da qual avançar, trilha facilitada pela seletividade, pelo açodamento e pela incompetência do Ministério Público Federal. Ele deve ser grato a Janot. Em primeiro lugar, pela obra de ficção em que consistiu a caguetagem dos donos da J&F, lá onde uma história de crescimento empresarial anabolizado por 13 anos de gestão petista revela como bandido protagonista, entretanto, o PMDB de Temer. Em segundo lugar, pela difusão influente de que entre os crimes cometidos pelos políticos não haveria diferenças — como se a prática generalizada de caixa dois pudesse ser ombreada ao assalto ao Estado, promovido pelo petismo, para permanecer no poder. Em terceiro lugar, pela qualidade precária das denúncias relativas à Lava-Jato, flagelo em que se destaca a deturpação da delação premiada, que, de ponto de partida para aprofundamento sigiloso de investigação, deformou-se em fim vazado de si mesmo — como se a fala isolada de alguém contra outrem pudesse ter peso de prova. Deu no que deu.
Não importa a verdade. Não importa a sentença de Moro. Lula é o injustiçado, aquele contra quem não há prova material — não é essa a narrativa? Não importa a verdade. Ele é o perseguido, aquele cuja eventual ausência entre os postulantes a presidente será fraude. Não importa a verdade. Este é um amanhã enfiado goela abaixo do brasileiro por Lula, mas graças a Janot e turma: a campanha será disputada nos tribunais, ele será candidato — e já está no segundo turno.
Carlos Andreazza
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