Ame-o ou deixe-o? Eu deixo de amar. Aos poucos quase me despeço da terra, das palmeiras, da linha do mar, do sabiá. Sabe-se lá?
Vira e mexe me vem o refrão do Chico. As últimas fichas estão caindo, e os caras jogando suas fichas sujas na nossa cara, de olho no pleito que, a esta altura, virou cassino do caos em mercado futuro. Um exílio brechtiano faria bem. Olhar para nós e para mim, lá de fora.
Mas de onde? Tom foi para os EUA. O império continua lá. Mas no lugar dos trompetes hoje soam os gritos histéricos das “trumpetes” com seus filhos armados até os dentes de leite.
Europa? E as bombas? Os atropelamentos em massa? Estados de urgência? Neofascismos, fossos étnicos?
Ah, teremos sempre Portugal! Tem uma turma fugindo para a lusitânia. É só comprar uma quitinete mais barata que conjugado em Copacabana e ficar ali, nas colinas, mirando os telhados da Alfama sob o sol. E, ao fundo, o Tejo, de onde saíram os navegadores que iniciaram essa nossa odisseia. E chorar nas tascas, bisavós eternas dos botecos.
Ora pois, ninguém quer explodir Portugal, atropelar português, atirar a esmo na Casa do Alentejo ou nas cantoras de fado do Ferreirinha. Mas o imposto é dose... Ganha até do Brasil. E a melancolia corrói qualquer coração mestiço. E o rancor? Amsterdã, então? Cidade criativa, razão e emoção, soluções a granel, bike, bonde, a utopia da legalização de tudo, até da morte autoassistida, se a coisa ficar braba. Mas por trás de toda essa maravilha há o racismo que progride nas entranhas de uma sociedade enigmática, com muita mágoa sob a máscara de tulipas e o idílio das vaquinhas malhadas. A Europa está empesteada, tão empesteada que a Alemanha, sítio exemplar dos horrores do século passado, é hoje o farol isolado do que restou dos ideais libertários que levantaram a união continental ora ameaçada de extinção. Na linha do pertencimento diaspórico, haverá aquela ponte sempre aberta para a terra de Sion... um mês, e a cidadania está no papo, lei do eterno retorno... Mas dormir com um olho sempre aberto na guerra iminente que une irmãos num laço inquebrantável de sangue? Não, obrigado. Sou diaspórico até o fim.
Uma opção tribalista: viver com os ianomâmis numa aldeia semi-isolada. Uma forma de sair sem sair. Mas agora?, que o nosso colosso parlamentar desavergonhou-se de vez sob rédeas de sanguessuga, e não vê a hora de acabar com a floresta, fatiar a terra, garimpar, grilar, queimar e jogar os índios na indigência?
Até me ocorre Montevidéu. Dizem que é a maior paz. A metrópole sem peso. O verdinho do Prado, a prata do Prata e umas cidadezinhas de herança colonial, um custo de vida razoável, leis modernas. Não chegaria a morrer de tédio no Uruguai. Mas, se fosse para sair, ir assim tão perto não traria o sentimento profundo do exílio voluntário, estando a poucas horas daqui... Não. Para sair não poderia ser tão fácil voltar.
Se me desse a louca iria amarrar meu burro no Oriente, num mosteiro, aprender a meditar, e ir para o alto da montanha comer o pão de Deus, que, agora sabemos, não é brasileiro coisa nenhuma, assim como qualquer espírito ou força que o valha.
Divina, subatômica, oculta na gravidade em loop, inteligente ou aleatória, nenhuma força da natureza primaria por nacionalidade, nem por espécie. Tudo que é humano lhe escapa, e tal ignorância é a chave da prosperidade universal.
Mas o diabo é que, por mais casmurros que sejam meus impulsos, não fui feito para a solidão ou o isolamento. Meu ensimesmamento termina quando minha natureza gregária clama pelo outro. O outro sou eu. E, sem o outro, nada sou.
Brasileiro, vou ficando. Com um livro, um piano, a gente amiga, e a mãezinha, meditando sem lótus, arranhando um pilates e um violão, procurando não proferir sentenças definitivas e aceitando a perplexidade com a candura de um gafanhoto de kung fu.
Arnaldo Bloch
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