A reforma política entrou na ordem dia menos por uma consciência dos partidos e parlamentares do estado de putrefação do nosso sistema político e mais por instinto de sobrevivência. Para os arrolados nas denúncias e investigações a conquista de um novo mandato em 2018 passou a ser uma questão de vida ou morte.
O risco de uma reforma mambembe é real, sobretudo se for levada em consideração a frase de James Freeman Clarke, segundo a qual o político pensa na próxima eleição, enquanto o estadista – essa espécie em extinção em nosso país – pensa na próxima geração.
Pensar em uma reforma voltada para o futuro e para a oxigenação da vida política nacional implica em definir qual o seu ponto de chegada e qual o seu ponto de partida, entendendo-a como um processo que pode ter vários atos. Idealmente, deveríamos marchar para o parlamentarismo, mas hoje não se vislumbra essa hipótese até onde a vista alcança.
Se o ideal não está ao alcance das mãos, vamos ao factível.
No atual estágio o mais prudente seria adotar uma reforma política em duas etapas, como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo como meta a adoção do voto distrital misto em 2022, quando aí sim seria admissível o voto em lista (fechada ou flexível) e o financiamento público de campanha-, como existe em países de larga tradição democrática.
Em seu primeiro ato, a reforma deveria se limitar em criar as condições para a implantação do voto distrital misto no médio prazo. Dito de maneira clara: para 2018 a reforma se limitaria a adoção da cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais, com vistas a colocar um fim na miríade de partidos.
Essa é a pedra de toque de qualquer reforma minimamente séria. O Brasil tem hoje 35 legendas partidárias informes e gelatinosas do ponto de vista ideológico ou pragmático.
Há uma fábrica de produção em linha de partidos políticos. O site do TSE registra 57 em formação. Dois deles estão prontos para sair em formação em tempo hábil para disputar a eleição do ano que vem. Temos até partido-satélite, o Muda Brasil, linha auxiliar do PR de Waldemar da Costa Neto.
Com esse caleidoscópio partidário é inviável não apenas a governabilidade mas, o próprio saneamento dos costumes e da cultura política nacional. Não é possível adotar o voto em lista preordenada, onde os caciques e a burocracia partidária definirão quem serão os primeiros da lista, e o financiamento público de campanha em meio a tamanho caos.
A reforma por etapas teria outra vantagem. Daria à sociedade a oportunidade de se esclarecer e dirimir suas suspeitas de que a adoção do voto em lista tem por objetivo fornecer um refúgio para parlamentares arrolados na Lava jato continuarem usufruindo do fórum privilegiado.
A assimilação de qualquer reforma pelos brasileiros está na razão direta da sua transparência. O Plano Real logrou sucesso por ter essa virtude. Concebido com regras claras por meia dúzia de economistas intelectualmente capacitados, foi explicado com detalhes e aplicado com muita competência por uma equipe técnica eficiente, liderada por políticos corajosos que tinham fibra, convicção e argumentos para confrontar divergentes.
Esse é o ponto. Se for um pacote casuístico enfiado goela à baixo da sociedade, a percepção da população sobre a reforma será que estão subtraindo o direito de escolher o seu representante. Em vez de diminuir, a reforma ampliará mais ainda o fosso já abismal entre representantes e representados.
Seus efeitos perversos se farão sentir nas urnas em 2018. O desencanto pode levar a um número astronômico de abstenção, voto nulo e branco. Nessas circunstâncias, a crise de representação só se agravaria, face a possibilidade real de termos um legislativo com parlamentares eleitos às escondidas do eleitor e por um número reduzido de eleitores.
Tudo o que o Brasil não precisa é uma reforma-Lampedusa, onde algo é preciso mudar para continuar como está.
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