sábado, 21 de janeiro de 2017

País árvore. Cidade floresta

Parece tão longínqua na memória, face ao acúmulo de fatos violentos desde então, tal qual um Febeapá demoníaco assombrando-nos, a cerimônia de abertura das Olimpíadas no Rio.

A era da informação nos revela a onipresença vacilante do personagem de John Travolta em “Pulp Fiction” ou a frequente aparição do descomunal membro sexual de um homem negro de chapéu como relevantes. Mas podemos também, com poucos cliques, rever a bela abertura dos Jogos de 2016. Sugiro, portanto, ao leitor que deixe um pouco de lado tais informações “pop”, ou poop, e mire novamente seu olhar para aquela ocasião no distante 2016.

Naquela abertura colocamos em bilhões de telas do mundo uma coincidência que raramente acessamos como fenômeno disruptivo e transformador: nosso país, Brasil, é o único do mundo batizado com o nome de uma árvore, o pau-brasil.

Pode parecer anedótico, e quanto mais nos deixamos deprimir pelo conhecimento de como defendem os interesses pátrios, políticos e empresários, mais vulgarizamos a palavra Brasil.

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Açúde Solidão (Floresta da Tijuca)
O tronco da árvore de pau-brasil (Paubrasilia echinata) fornecia um corante vermelho “brasa”, a brasileína, importante tanto para as tintas para escrita quanto, e principalmente, para o tingimento de sedas e veludos tão apreciados pelas cortes europeias.

Assim, o corante sanguíneo da árvore tropical cobria os corpos das monarquias europeias. Essa é uma leitura. A beleza de uma cor ímpar seduzia, abrindo o campo do desejo e do intelecto, ampliando os mundos exteriores e íntimos de uma sociedade envelhecida. Também é uma leitura possível. A brasileína, como meio, também era mensagem, nos ensinou Marshall McLuhan.

O entendimento das mudanças climáticas como anedotas da internet, como quer fazer parecer a nova elite mundial, tem naquela cerimônia dos Jogos Olímpicos do Rio uma contramanifestação global. Há um vazio de saber que precisa ser preenchido com uma nova inteligência planetária, mais amorosa com a Terra. Consigamos nós, brasileiros, mirar nosso olhar para novas cores, mesmo diante das cabeças sem corpos que ocupam posições de autoridade, e poderemos sentar à mesa do mundo e falar de árvores.

Outro Vale do Silício necessário é o Vale Silvícola, a surgir no Brasil, onde a Embrapa pode ser uma nova Apple. Quanto falta para termos políticos da estatura de uma sumaúma?

Pensar o arco temporal de um século é muito difícil numa economia de juros altos. O que torna difícil demonstrar a agenda urbana como urgente para o país, pois cidades são organizações lentas. Priorizar as economias que podemos gerar e compartilhar no território urbano é dar valor estratégico a uma escala que não é menor, mas estrutural para o estabelecimento de um ciclo econômico sustentável e mais pleno de cidadania, onde possamos conjugar o binômio natureza-cidade como conhecimento de que o planeta precisa e que dominamos intimamente.

O reconhecimento como Patrimônio da Humanidade para a Paisagem Cultural do Rio de Janeiro não é um título erudito de burocratas globais, é uma grande vitória geopolítica onde, após dez anos de candidatura, em esforço público e privado, propusemos uma outra perspectiva urbana. A cacofonia do ambiente urbano carioca revelaria uma ordem mais complexa, fruto do esforço de erguer uma grande cidade tropical em dança com a natureza. Amplia-se a história do urbanismo, pois uma nova relação descortina-se, onde não há natureza subjugada, tal qual numa cidade-jardim, mas um baile. A floresta usada inicialmente para fins econômicos e científicos, com o tempo, converte-se em campo poético. No Rio, a preservação, através das continuadas políticas de patrimônio cultural, promoveu uma singularidade urbanística, uma cidade-floresta.

Não só o Rio contém o Parque Nacional da Tijuca como é contido por ele. São inúmeros saberes muito úteis para um planeta quente. Priorizar a arborização urbana como infraestrutura essencial assim como água e esgoto. Inovar no tratamento das favelas como bairros ecológicos. Acessar a natureza como parte da experiência da vida na cidade.

O’Brazil, ou Hy’Brazil, é um mito gaélico. As Ilhas Afortunadas, ou Ilha do Brasil, narradas por São Brandão, navegador-santo irlandês do século V, ficariam no Atlântico Norte e seriam um Éden terreno. O isolamento da Irlanda durante o obscurantismo da Idade Média permitiu-lhe proteger e passar conhecimentos adiante. Tal lenda, como conhecimento empírico, ajudaria a impulsionar a Europa às navegações. Iria também ajudar a batizar o pau-brasil. Poderiam um país-árvore e uma cidade-floresta impulsionar seus saberes?

Washington Fajardo

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