quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

2016: um ano que não deixará saudades, mas que valeu a pena

Não sei se é o calor, que há anos vem-se apoderando da outrora cidade vergel, a principal causa do meu enfastio. Ou se são as notícias de afugentar sono, de todas as origens, tanto indígenas quanto alienígenas. Ou se é, na verdade, o peso da idade, que vai me deixando mais sensível, ao contrário do que muitos pensam, sobretudo os jovens, que só mais adiante, na maturidade, darão valor à vida que gratuitamente esbanjam. A idade, leitor, não torna o velho mais cascudo.

Tento desfiar, um por um, argumentos convincentes (que existem, não sou um parvo!) para explicar aos meus nove netos (de 27, 25, 23, 23, 22, 21, 18, 18 e 11 anos) que vale a pena permanecer em nossa terra e trabalhar para transformar nosso enorme território num país e, finalmente, numa nação. Pedro, o de 11, resiste, com seus argumentos.

No melhor estilo jornalístico, em 1989, o escritor e jornalista Zuenir Ventura, em seu mais festejado livro, “1968: O Ano Que Não Terminou”, retratou acontecimentos, no Brasil e no mundo, que o marcaram para sempre, sobretudo em nosso país. Na época, padecíamos sob férrea ditadura civil-militar, mas havia gente convencida de que residiam nesse regime soluções para nossos inúmeros e cada vez mais complexos problemas. Vinte anos mais tarde, depois de vivermos a decepção de não termos eleições diretas; de saudarmos a vitória de Tancredo Neves nas eleições indiretas pelo Congresso Nacional; e de passarmos pelo pusilânime governo Sarney, com o advento da Constituição Federal de 1988, começamos a respirar, de novo, os ares do bem mais precioso do ser humano – a liberdade, cujo preço, para mantê-lo, continua hoje o mesmo, “a sua eterna vigilância”.

Digo sempre aos filhos e netos: basta uma rápida olhada no que já passou para concluir que outros anos também nos deixaram a impressão de que não terminaram. Esse 2016, por exemplo, é só a amostra mais recente. Um ano horroroso para você, leitor, para mim, para todos os brasileiros, e que, por enquanto, não sentimos, na prática, a melhora (prometida pelo governo Temer) que viveríamos logo depois do impeachment de Dilma Rousseff. Um ano que ainda teve, quase em seu final, a presença trágica de uma brasileira: Françoise Amiridis, casada com o embaixador grego Kyriakos Amiridis há 15 anos, mãe de uma filha de 11 anos, teria sido coautora ou mandante (ou incentivadora) do covarde assassinato do marido, que contou – como não poderia deixar de ser – com a ajuda de um soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Confesso que jamais esperei que, na despedida de 2016, fôssemos nos deparar, em Campinas, com uma barbárie fora de qualquer previsão, cometida por Sidnei Araújo, que matou, além de sua ex-mulher e de seu filho de 8 anos, mais dez pessoas. Sidnei, 46, técnico de laboratório, disputava a guarda do filho e suicidou-se.

Como se não bastassem os horrores que vêm por aí, oriundos da operação Lava Jato, 2017 nos brinda com a matança de 56 presos, no presídio Anísio Jobim, em Manaus, consequência inegável, sem dúvida nenhuma, da omissão criminosa de nossos representantes.

Se você não é um ególatra, e se não tem condições de se escudar na esperança, leitor, jamais aceitará declamar, apenas por declamar, sequer este verso do poeta Ferreira Gullar: “Sei que a vida vale a pena”, para depois concluir: “Como um tempo de alegria/ Por trás do terror me acena/ E a noite carrega o dia/ No seu colo de açucena”.

Fico com o poeta. Ele sempre tem razão.

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