— Quem anula voto não tem o direito de reclamar depois!
Como se, numa democracia, todo cidadão, independentemente do seu voto, não tivesse o direito (eu diria até o dever, a obrigação mesmo) de reclamar dos seus governantes. Não sei se essa teoria bizarra vale para Porto Alegre, onde o PSOL criou até jingle para promover o voto nulo, mas ela deu panos para as mangas no Rio.
Defendi na minha TL do Facebook a universalidade do direito à reclamação, e uma leitora me advertiu, naturalmente com todo o carinho:
— Você podia ter um pouco de cuidado para não incitar mais o ódio dessa gente que elegeu Crivella.
É bonito um candidato dizer que não pretende cuidar das pessoas, mas governar ao seu lado. Só que é preciso traduzir isso em gestos, e em respeito às opiniões divergentes. Não foi só por causa da corrupção master do PT que o eleitorado rejeitou a esquerda. Foi também, entre outras coisas, por causa do seu autoritarismo, e da sua insistência em assumir o monopólio das boas intenções.
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Li a suposta mea culpa do Freixo na ótima entrevista de Marco Grillo e de Miguel Caballero publicada na edição de terça-feira do jornal. Ele diz que é hora de autocrítica e de entender os erros — mas não dá um passo nessa direção. A grande falha do PSOL na primeira semana do segundo turno teria sido, a seu ver, não reagir à barragem de insultos e mentiras propagados pela campanha de Crivella; já o famigerado discurso da Lapa, aquele em que “A cidade é nossa!” se juntou ao “Fora Temer!”, não teria, na sua opinião, afastado ninguém.
Aquele discurso foi, porém, um divisor de águas. Os eleitores de que Freixo precisava para derrotar Crivella não acham que o impeachment foi golpe, querem que o governo tenha um mínimo de estabilidade para que o país volte a crescer, e sentiram-se insultados com a postura da militância. É perturbador que um político não perceba isso.
Esse equívoco de percepção permeou, aliás, a campanha inteira. Freixo só falou aos convertidos, que, por sua vez, só conseguiram criar um clima de empolgação e de confiança entre si mesmos. A campanha foi uma manifestação política muito bonita — para quem participava dela. O problema é que nem Freixo nem o PSOL têm a mínima ideia de como foi vista do lado de fora, onde estavam os votos a ser conquistados.
“A cidade é nossa!” e “Vai ser desse jeito!” foram dois slogans infelizes e arrogantes, ameaçadores até, para quem não participava da festa. O próprio sinal do 50, inventado por algum marqueteiro sem noção e repetido por Freixo e pela militância à exaustão — uma palma aberta, a outra cerrada num punho — remetia a outros punhos fechados que o eleitor abomina neste momento, do desafio dos petistas a caminho da prisão ao inominável André Vargas defendendo mensaleiros e insultando Joaquim Barbosa no Congresso Nacional.
Outro erro de percepção foi repetir que, com apenas 11 segundos de TV, o PSOL derrotou o PMDB. Não é verdade. O PMDB se derrotou a si próprio. O PSOL não foi para o segundo turno por causa dos seus 11 segundos, mas por causa da teimosia de Eduardo Paes, que insistiu num candidato queimado junto à opinião pública. E também, honra seja feita, graças à falta de espírito cívico de Osório e de Índio que, focados nos seus próprios umbigos, deixaram que o voto de centro se dispersasse.
A esta altura, isso já não faz a menor diferença, mas, se o PSOL quer mesmo amadurecer, e se Freixo quer mesmo saber onde errou, talvez seja interessante lidar com os fatos como eles são, e não com os fatos como gostariam que fossem.
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Cora Rónai
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