Todos já devem ter visto a antiga propaganda de fonógrafo.
Ela mostra um cachorro muito atento à voz que sai do aparelho. É a voz do dono. Do dono do cachorro. O fonógrafo não tinha dono, tinha dona: a RCA Victor, que criou o lema em inglês: “His master’s voice” (a voz do dono).
As expressões nasceram em contextos muito diferentes. “A voz do dono” surgiu nas primeiras décadas do século XVI. Lady More trouxera para casa um cachorrinho, aparentemente perdido, que ela encontrara nas ruas de Londres.
Ela era mulher de Thomas More, estadista inglês e uma das referências solares do Renascimento, autor do livro “Utopia”, que quer dizer em grego um lugar que não existe.
Tudo ia bem, até que um dia apareceu um mendigo dizendo ser dono do cachorrinho. Querendo ser justo e não tendo foro privilegiado — quando discordou do rei Henrique VIII, foi preso na Torre de Londres e depois decapitado —, o famoso político e humanista ordenou ao mendigo que ficasse num dos cantos da sala, pedindo à mulher que ficasse no outro.
A seguir, levou o animal para o meio do recinto e mandou que cada um chamasse o cachorrinho ao mesmo tempo. Sem vacilar, o cãozinho correu para o mendigo, reconhecendo a voz do dono.
A história não terminou aí. Para consolar a mulher, que já se apegara ao animalzinho, Thomas More pagou por ele uma moeda de ouro ao pedinte. A quantia era muito superior à solicitada: um xelim, shilling em inglês, palavra que veio da base etimológica skell, mais o sufixo ing, significando tilintar, ressoar.
“A voz do povo é a voz de Deus” é mais antiga. Veio do latim vox populi, vox dei, cuja primeira parte deu nome a antigo programa da TV Cultura, e designa também uma empresa brasileira sediada em Belo Horizonte, especializada em pesquisas de opinião.
Todavia, a expressão que dá nome às duas coisas é muito mais antiga. Foi registrada originalmente em grego, mas chegou até nós pelo latim e designava a opinião do Oráculo de Delfos, assim chamado porque sua sede ficava na cidade de mesmo nome, na região central da Grécia Antiga.
Quem quisesse adivinhar a opinião sobre algo, coisa que os institutos de pesquisa mais fazem, entrava ali para perguntar. Compareciam pessoas simples e também poderosas, vindas de todos os cantos. Alexandre, o Grande, por exemplo, esteve ali antes de tomar decisões que mudariam o mundo. Feita a pergunta, a pessoa deveria tapar as orelhas com as mãos e deixar o recinto. As palavras ditas pelos primeiros transeuntes encontrados fora do templo seriam a resposta divina.
Muitos políticos, certos de que passarinho que come pedra sabe o que lhe advém, protegem-se, não com a mudança de hábitos, como o de roubar o distinto público, mas com superstições que lembram estes usos e costumes. A palavra superstição veio do latim e designa excessivo medo dos deuses.
Um dos políticos que mais cuidado toma com isso é o ex-presidente, da República e do Senado, José Sarney, conhecido também por “madre superiora”. Ele só sai de um recinto pela porta pela qual entrou (é ali que o anjo da guarda fica esperando, na outra ele não está); não leva conchinhas para casa (elas já foram habitadas por seres vivos e podem trazer assombrações); detesta animais empalhados (eles atraem maus espíritos) e não aceita jangadinhas de presente, pois elas podem ter sido feitas por presidiários, que nelas deixaram os germes de suas angústias.
Ou será que, depois da Lava-Jato, o medo de todos é outro?
Deonísio da Silva
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