Agora, foi a vez de Jhonata Dalber Matos Alves, de 16 anos, ser morto com uma bala na cabeça e com um estojo escolar e um saco de pipoca na mão. Aconteceu no Morro do Borel, na Tijuca, no Rio de Janeiro. “Meu filho tinha ido à casa do tio, com dois amigos, para buscar pipoca para uma festa junina”, disse a mãe, Janaína. “A minha vida acabou!” A versão oficial é que a polícia atirou “na direção de bandidos que passavam e um tiro acertou o menino”. Moradores negam confronto. Há uma UPP no Borel desde 2010. Mas a “pacificação” acabou faz tempo, muito antes de ser concluída.
No Estado do Rio de Janeiro, quase dobrou, de abril para maio, o número de mortes em confrontos policiais, de 44 para 84 – vários, sabemos, são forjados para que os PMs não sejam acusados de homicídio. Os roubos seguidos de morte pularam de oito para 16. Somados, os roubos de rua chegaram a quase 10 mil num mês – um assalto a cada quatro minutos. Uma dermatologista de 34 anos morreu com um tiro na cabeça, atacada por bandidos na Linha Vermelha. Ela acabara de inaugurar um Centro de Acolhimento ao Deficiente e voltava para casa. Planejava blindar o carro em julho. O governador Francisco Dornelles chamou sua morte de “um desastre”. Desastre?
Policiais também são assassinados como nunca: 54 no Rio só neste ano – no ano inteiro de 2015, foram 16. O PM José Alves dos Santos, de 31 anos, da UPP de Manguinhos, foi morto com cinco tiros na Zona Norte do Rio. Duas inscrições no carro: CV, de Comando Vermelho, e “morre PM”. Teria sido vítima de falsa blitz montada por traficantes.
A insatisfação e o medo levaram policiais civis a parar e erguer faixa em inglês no aeroporto internacional do Rio. Traduzindo: “Bem-vindo ao inferno. Policiais e bombeiros não são pagos. Qualquer pessoa que vier ao Rio não estará segura”. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que os ataques a policiais “são um verdadeiro ato de terrorismo”. Não vi a Secretaria de Segurança chamar de “terrorismo” o que nós, cidadãos, vivemos.
Ao terror, as forças de segurança do Rio e de São Paulo respondem com mais terror. Agentes do Bope no Rio ignoraram a proibição constitucional de buscas domiciliares à noite e levaram o pânico a quatro favelas do Complexo da Maré. A operação, com blindados, se estendeu madrugada adentro: 150 alunos de uma ONG ficaram encurralados durante três horas. Sitiados. Tudo porque os policiais querem se vingar do resgate humilhante do chefão Fat Family de um hospital público.
São Paulo não fica atrás. PMs e até guardas municipais fuzilaram carros sem saber em quem estavam atirando. Num deles, um tiro na nuca matou o menino de 11 anos Waldik Gabriel Chagas, que estaria num carro com dois adolescentes que fugiram. “Matou meu filho, pagou fiança e foi para casa”, disse o pai de Waldik, motorista de caminhão, separado da mãe.
No outro carro, atingido por 16 tiros em São Paulo, estava um universitário de 24 anos, Julio Cesar Alves Espinoza. Voltava para casa após trabalhar em um bufê. Não parou na blitz talvez por ter várias multas, que tentava pagar com o trabalho noturno. PMs afirmam que o rapaz atirou e eles reagiram. Uma testemunha diz que um policial entrou no carro e disparou de dentro para fora, para simular confronto. Julio morreu com um tiro na cabeça.
Na semana que vem, será morto outro garoto, outra mulher, outro policial. Porque está tudo errado. Policiais são afastados, depois voltam. Mães e avós, com bebês e crianças, fazem fila de madrugada, lutando por vaga na creche ou escola. Os sem-teto e desempregados lotam albergues para alimentar a família. Os traficantes dominam áreas carentes num país em que se rouba de tudo, de merenda a remédio, verba de cultura e obras, contracheque, Fundo de Garantia. Bilhões de reais precisam voltar aos cofres públicos para dar paz e dignidade aos brasileiros. Esse é o verdadeiro golpe que viola a Constituição e saqueia nossos sonhos.
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