segunda-feira, 20 de junho de 2016

Recolha a tropa, Janot, e se atenha aos autos

Os movimentos de rua — e foram eles que levaram a Câmara a aceitar a denúncia contra Dilma e o Senado a abrir o processo contra a presidente —, mais uma vez, estão à frente da média da imprensa na percepção do que está em curso. Sempre foi assim, não é mesmo? Enquanto setores expressivos do jornalismo insistiam em dar espaço para meia-dúzia de bocós que queriam golpe militar, as ruas, de verdade, queriam o impeachment segundo as regras do jogo. Enquanto os “especialistas” do jornalismo duvidavam que Dilma seria afastada, as ruas nunca hesitaram.


O movimento Nas Ruas me manda a imagem de dois bonecos que passaram a frequentar a Avenida Paulista, junto com o Pixuleco: o “Enganô”, que faz alusão ao Rodrigo Janot, procurador-geral da República, e o Petralovski, que remete ao presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski.


Acho que não é preciso expor, vamos dizer assim, as reservas a Lewandowski. Pode até ser um exagero meter-lhe uma estrela no peito, mas não chega a ser segredo que suas concepções mais gerais de mundo estão bastante adequadas ao universo mental petista. No julgamento de uma das ações que buscavam paralisar a tramitação do impeachment, o ministro discursou em favor de uma inexistente soberania do Supremo para decidir se Dilma será ou não cassada. Como se sabe, a Constituição diz que os juízes num processo de crime de responsabilidade são os senadores. PONTO!

Qual é a treta com Janot?
E com Janot? Qual é a treta? Notem: toda pessoa decente quer que todos os corruptos paguem por seus crimes. Mas os movimentos que levaram milhões às ruas em favor da deposição de Dilma começam a perceber que o sr. Rodrigo Janot se move com o que parece, a esta altura, ser uma agenda.

Um estrangeiro que não tivesse acompanhado o escândalo e conseguisse ler a imprensa brasileira teria algumas certezas inquestionáveis:
a: o PMDB foi o coração do petrolão;
b: o PMDB comandou o governo mais corrupto da história;
c: Eduardo Cunha é o chefe inconteste do petrolão;
d: nada há, até agora, que justifique uma denúncia contra Dilma;
e: nada há, até agora, que justifique uma denúncia contra Lula;
f: o PT foi um parceiro menor na administração do petrolão.

Ora, é a maior coleção de mentiras jamais contava sobre o caso.

Militância política
Infelizmente, resta evidente que o Ministério Público Federal, ao lado do meritório trabalho de investigação que fez em muitos casos, resolveu operar também com a política. Aponto esses desvios aqui no meu blog desde sempre. Infelizmente, eu estava certo. Ocorre que a militância passou a ser, agora, mais desabrida. Com os holofotes no mais das vezes acríticos que lhes garante a imprensa, procuradores falam abertamente em refundar a República e não têm receio nenhum de conceder entrevistas que buscam intimidar até o Supremo.

Ou Deltan Dallagnol, o loquaz coordenador da Lava-Jato, não o fez duas vezes enquanto Teori Zavascki decidia sobre o destrambelhado e injustificado pedido de prisão de Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney? O irrequieto procurador deu a entender, com todas as letras, que a Teori só cabia uma decisão correta: dizer “sim” à pretensão do Ministério Público. O ministro consultou a lei e disse “não”.

Dallagnol e pares seus estiveram em Londres para um seminário sobre a Lava-Jato. Ele e Paulo Roberto Galvão concederam uma entrevista ao Globo. Mais uma vez se manifesta aquele viés de salvadores do mundo e almas messiânicas tocadas pelo desejo de purificar a Terra.

Numa de suas respostas, afirmou Dallagnol:
“Sem entrar no caso concreto, eu diria que a corrupção não tem cor, não tem partido. Ela existe há séculos no Brasil. Apenas na década de 90 tivemos 88 casos de corrupção só na área federal. O nosso compromisso é apurar corrupção envolva quem for de modo cego, apartidário, técnico e imparcial. Esse é o compromisso que temos com a sociedade.”

De todas as teses até agora expostas, essa é a mais profundamente petista. Já escrevi aqui que a Lava-Jato fala, muitas vezes, com o sotaque do PT da década de 80. Ora, essa avaliação desconsidera a particularidade do assalto petista ao Estado: foi também uma forma de conquista do Estado; não foi só o roubo aos cofres públicos; tratou-se também do sequestro da democracia.

A escolha das palavras diz muito do que vai hoje no MPF: “uma apuração de modo cego”. Os olhos vendados da Justiça significam apenas que ela não distingue nem protege este ou aquele. Mas não se pode ser tão cego a ponto de não enxergar os limites institucionais.

A seleção de alvos que vem fazendo o Ministério Público e a forma como articulou a delação do senhor Sérgio Machado pôs a instituição a serviço de uma tese: a deposição do governo Temer para a realização de novas eleições, o que poderia levar hoje o país para o buraco.

E, no buraco, não se consegue nem combater a corrupção.

É bom o Ministério Público Federal deixar a política de lado. As ruas já perceberam. Elas apoiam o combate à corrupção, não os impulsos de candidatos a tiranos virtuosos. Porque isso não existe.

Recolha a tropa, Janot, e se atenha aos autos.

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