Quando soube, estava, por coincidência, na Vila Olímpica. Vila Olímpíca de Vancouver, diga-se. Sentados no terraço do restaurante a beira-mar, aproveitamos o dia bonito a vista do perfil da cidade, emoldurado pelas montanhas ainda com um pouco de neve no pico, apesar da estação.
Era sexta-feira preguiçosa e bem aproveitada na companhia de amigos. Como convém a estas ocasiões, dilatávamos sobre o nada e falávamos sobre o tudo. Exceto claro, assuntos sérios. Isso, sim era proibido.
Foi quando o celular vibrou anunciando a chegada da mensagem. Apenas uma linha. Simples, assim. Falava de calamidade publica. Avisava do decreto. E perguntava se estava tudo bem.
Fiquei preocupado, claro. Afinal, até onde sabia, calamidade publica era coisa que precisava ser precedida de desastre. E de grande porte. Corri para casa para saber mais e, se necessário, disposto a ajudar algum amigo em dificuldade.
Já em frente ao computador, veio o alivio. Tudo parecia estar em ordem. Quer dizer, em ordem, considerando os tempos estranhos que temos vivido. Do desastre, da calamidade, nem sinal.
Na mídia social, a vida seguia em ondas, como o mar. Os bondes continuavam em cima dos trilhos. E todos os maridos funcionavam regularmente. Apesar de ainda não ser sábado.
Confuso, assistia as explicações das autoridades enquanto sentia o bafo do cinismo emanado da tela a cada palavra. Na imprensa escrita, noticias confusas relatavam o escarnio escrito com a pena da galhofa e a tinta da melancolia. Tudo dito e feito, nada fez sentido. Exceto a falta se sentido.
No país da piada pronta, perdeu-se qualquer apego ao significado das palavras ou a logica dos argumentos. E se pariu a primeira calamidade publica decretada preventivamente para evitar prejuízos potenciais a um evento esportivo.
Em uma cidade frequentemente tiro, porrada, e bomba em doses industriais e diárias, achamos por bem declarar calamidade publica tendo por justificativa o medo de vexame imaginário. Tudo, aparentemente, para justificar (apenas) formalmente os aportes de recursos financeiros adicionais ao arrepio das leis orçamentárias.
Tempos estranhos estes onde vigoram regras estranhas. Aparentemente, aqui se faz. E os outros pagam.
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