sexta-feira, 3 de junho de 2016

A força do tabu

Assisto com alguns dias de atraso a entrevista de Ricardo Paes de Barros no programa Roda Viva que não perco. Costuma ser excelente. Mas este foi uma ginástica angustiante.

O esquema, como se sabe, são seis jornalistas e um entrevistado. Ja estou no 48º minuto do programa onde só se fala de um assunto, e já não me contenho: o Brasil tem diagnósticos perfeitos de todos os seus problemas mas não consegue dar consequência a isso. Medimos tudo muito bem medido. Sabemos onde erramos e porque erramos mas não nos permitimos consertar nada.

Sabemos, por exemplo, que tem duas vezes mais gente no Bolsa Familia do que justificam as próprias medições do governo. Mas nem os seis jornalistas, nem o entrevistado mencionam a conclusão imediatamente subsequente: estão distribuindo o dobro de bolsas para comprar votos.

Mas o assunto aqui não é este. Volto ao que interessa. Não falta dinheiro para nada. Ao contrário, o problema é que sobra dinheiro no Estado. Sabemos onde e porque falha a educação (e a saúde, e a segurança publica, e etc.); sabemos quem são os responsáveis por essas falhas. Mas nem o entrevistado, nem os entrevistadores mencionam a conclusão imediatamente subsequente de que o que falta é a sansão: o problema não se resolve e não tem solução porque partimos da premissa de que o funcionário público, seja o que distribui o dinheiro, seja o que o recebe mas não entrega o que foi contratado para entregar, é indemissivel.


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Segue a entrevista mencionando cada um dos nossos fracassos e a sequencia é sempre a mesma: sabemos o que fazer, sabemos como fazer, mas não fazemos porque não fazer não acarreta consequência nenhuma.

A esta altura ja estou no 56º minuto da entrevista e a palavra mágica continua não sendo pronunciada: DEMISSÃO. Demissão de quem falha; demissão de quem não cumpre. Nem mesmo em demissão para quem rouba se ousa falar.

Cada jornalista daquela banca trabalha, acorda cedo, perde o feriado, cumpre plantões, estuda, capricha e se sacrifica porque se não o fizer é demitido. Cada jornalista naquela banca sabe que o funcionário falta, atende mal, não cumpre plantões, não estuda, não capricha, não entrega e nãos e sacrifica porque entregando ou não entregando, com crise ou sem crise nacional maior de todos os tempos, ganha 21% de aumento e nem sonha com a hipótese de perder o emprego e o salário que está, sempre, desde o mais baixo, na faixa mais alta do padrão de salário do resto do Brasil.

Preventivamente uma das entrevistadoras ja adianta, assim meio do nada, que “meritocracia é uma falácia num ambiente de desigualdade de oportunidade” e recebe uma resposta apropriada do entrevistado. “Se formos esperar o fim da desigualdade para começar a aplicar a meritocracia estamos roubados”. Mas a palavra chave do sistema meritocrático – DEMISSÃO – continua sem ser pronunciada.

Logo no início da entrevista, alias, o entrevistado registrou que a maior desigualdade de renda dentro do país está no setor publico (nos supersalários, nas super-aposentadorias, ficou subentendido, porque falar claramente nisso também é tabu). O setor privado, registra ele, reduziu a desigualdade de renda em proporções gigantescas nos ultimos anos mas no ambiente do Estado, onde não ha meritocracia, o processo foi o inverso, a ponto de afetar a média nacional. E eles são só 11,1 milhões os funcionários públicos que consomem 45% do PIB deixando menos de 3% para investimento público! A esmagadora maioria deles são aqueles médicos e professores que ganham uma miséria, donde se conclui que os superfuncionários que distorcem a media nacional são uma ínfima minoria. A enormidade do numero (dos supersalários e das super-aposentadorias) que desse raciocínio simples se deduz é de uma obscenidade que clama aos céus mas a reação da banca foi um silêncio sepulcral. Nenhum comentário, sequer. Ninguém chutou a bola levantada. Batida a marca de 1 hora, 22 minutos e 48 segundos da entrevista inteira, a palavra proibida não foi mencionada uma vez sequer.

Assim não vai. Eu já ando com vergonha de me apresentar como jornalista…

Qualquer dona de casa da favela sabe que se contratar uma empregada amanhã e começar a conversa dizendo que a partir do momento da contratação ela é indemissível para todo o sempre e é ela própria quem vai decidir o valor do seu salário, em 15 dias ela estará na casinha do cachorro e a tal servidora deitada na sua cama. O chato do Brasil é que aqui não tem mistério nenhum. O Brasil foi despachado para a casinha do cachorro.

Isso aqui só começa a ter solução quando DEMISSÃO passar a ser uma ameaça tão real, concreta e diária para os políticos e funcionários publicos quanto é para o resto da humanidade, inclusive para todos os brasileiros que não são empregados do Estado. Estes já não têm direito sequer ao que fazem por merecer porque pagam pelo que os que comem 45% do PIB enfiam no bolso sem merecer. 12 milhões já estão desempregados por conta disso, mesmo tendo entregado o tempo todo tudo o que foram pagos para entregar.

Esse sistema medieval de servidão só se reverte com o instituto do voto distrital com recall. Pois passando o político que contrata os demais funcionários a ser demissível de forma simples, rápida e direta por quem o colocou onde está, serão demissíveis todos os funcionários que ele contrata porque demitir quem não entregar o que é pago para entregar passará a ser a condição para que ele próprio entregue o que tem de entregar e, assim, não seja, ele mesmo, demitido.

É, digamos assim, uma cadeia de “sentimentos”…

Isso é claro como a luz do sol. Mas enquanto os jornalistas forem os zelosos porteiros desse tabu, seja porque tiveram a cabeça feita para isso, seja porque são casados ou têm filhos, pais, irmãos e etc. que recebem do Estado sem entregar, o Brasil não terá nenhuma esperança de cura.

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