sexta-feira, 3 de junho de 2016

Ditadura de araque

Nunca imaginei ouvir Sarney dizendo “abaixo a ditadura”. Não disse, mas afirmou, solene, na gravação de Sérgio Machado, que estamos sob a pior das ditaduras: a da Justiça.

Para ele, pior do que a ditadura da força militar, a do proletariado que desmoralizou o comunismo, a religiosa dos aiatolás é a ditadura da Justiça, que, fazendo cumprir a lei sem distinção de classe social, investiga e enjaula seus colegas e amigos, respeitando os ritos processuais e assegurando a defesa dos acusados, que podem recorrer das decisões.


Qualquer ditadura, por definição, é abominável, porque detém todo o poder, tira a liberdade e os direitos do cidadão, faz suas próprias leis, não pode ser contestada por ninguém nem por outro poder do Estado. Embora seja um oximoro na retórica sarneysiana, a ideia de uma ditadura da Justiça, se tal coisa fosse possível, seria bem recebida: diante dela todos são iguais.

Enquanto não se inventa uma ditadura da Bondade, ou do Bem, a da Justiça é a mais viável. Seria uma ditadura original, que, fazendo respeitar a lei e o estado de direito, contribuiria decisivamente para o exercício da democracia — que, paradoxalmente, é o oposto de uma ditadura.

O bom da ditadura da Justiça é que ela não poderia ser dominada pelo governo, nem pelos militares, pelos religiosos, pelos ideológicos, nem pelos políticos. É independente, não se origina nas fraudes e conchavos eleitorais, deve impor a força do Estado no cumprimento das leis. Se não for dura, não é ditadura, deve aplicar penas pesadas a criminosos que, se forem condenados em segunda instância por um colegiado, não podem mais recorrer em liberdade, o que garantia a impunidade dos ricos e poderosos em recursos infindáveis até a prescrição final.

Na ditadura da Justiça não há nomeações politicas, seus integrantes enfrentam concursos rigorosos para entrar na carreira, os juízes dos tribunais superiores são sabatinados pelo Senado. E o Conselho Nacional de Justiça investiga e pune os juízes corruptos. Uma ditadura em que quem não deve não teme. Mas quem deve, treme.

É pena, mas é tudo só um pesadelo de Sarney.

Nelson Motta

Nenhum comentário:

Postar um comentário