Alguma coisa acontece no coração do Brasil. Municípios remotos estão dando lições ao país.
Em Santo Antônio da Platina, no Paraná, os moradores não acharam justo que os vereadores tivessem aumentado os próprios salários. Começaram a fazer pressão para que as câmaras municipais reduzissem sua remuneração. A notícia não dá detalhes de suas ações, a gente fica sem saber exatamente o que a população fez. Mas foi muito convincente, porque deu certo: os vereadores recuaram e desistiram do autoaumento, considerado desnecessário pelos eleitores. Diante disso, um município da vizinhança tratou de fazer o mesmo. Como fogo morro acima em dia de ventania, o exemplo se alastrou rapidamente pelo estado, de Jacarezinho a tantas outras cidades cujos edis exorbitaram, na opinião do eleitorado. Numa, o padre pregou contra o aumento, no sermão de domingo. Em outra, um estudante começou um movimento, convocando manifestações pela internet. Esta semana, já são 28 cidades paranaenses vivendo experiências semelhantes. Ali mesmo no Sul, jornais do interior gaúcho acompanham o fenômeno, o noticiam com atenção, e semeiam a ideia. E no interior de São Paulo, se noticia que há ações semelhantes em Avaré, em Ourinhos, em Botucatu, em Mauá da Serra.
Em Araras, no Rio Grande do Norte, um lugar bem pequenino e de poucos habitantes, há um fenômeno diverso: muitos casos de uma doença genética rara, que causa tamanha intolerância à luz solar que se torna impossível trabalhar durante o dia. Alguns moradores entraram com pedidos de aposentadoria pelo INSS. Como as solicitações foram negadas, recorreram à Justiça Previdenciária. O juiz foi até lá, estudou o caso e mandou pagar, assegurando o direito dos trabalhadores. Fez mais: montou um plantão no local, para dar a orientação e cobertura necessária. O episódio não é isolado. Há hoje 43 mil ações judiciais de pacientes em andamento em São Paulo e 42.300 no Rio, buscando garantir tratamento do SUS.
O que significa isso? Será que o simples fato de sentir que a Justiça pode ir além de blá-blá-blá e realmente funcionar está levando os cidadãos a buscar a garantia de seus direitos? Efeito secundário de figuras de juízes confiáveis terem substituído ícones de abuso? Sai alguém como o juiz Lalau e entra Joaquim Barbosa no imaginário popular. Sai o juiz que se apossou dos carros aprendidos de Eike Batista e entra o juiz Sérgio Moro. Esses novos exemplos se somam à ação do Procon e exercem um papel pedagógico, na medida em que reconciliam o brasileiro com o respeito à lei e promovem um crescimento da noção de cidadania, bem como da fé na democracia.
Dá até esperança de que o país esteja mudando para melhor em termos de consciência popular. Prova disso foi a mobilização que resultou na Lei da Ficha Limpa, por mais que os passos de sua implementação e regulação tenham sido lentos, em relação à urgência dos que assinaram a petição para que ela existisse.
Agora, duas mobilizações parecidas começam seu longo processo de multiplicar apoios. Uma é a campanha do Ministério Público Federal, propondo Dez Medidas Contra a Corrupção. Pode ser acessada na página Combate à Corrupção.
Outra é um projeto de iniciativa popular que já recolheu mais de 20 mil assinaturas e chegou ao Senado, onde está na Comissão de Direitos Humanos. Propõe o fim da imunidade tributária para as entidades religiosas, um tipo de privilégio tradicionalmente garantido, mas questionado por muitos. Pelo número de apoios, agora a Casa está obrigada a decidir se isso vira um projeto de lei ou não. Foi uma proposta iniciada por um cidadão comum, por meio do Portal e-Cidadania, e foi angariando partidários pela internet. Quando se discute um orçamento deficitário e a necessidade de cortes, é uma boa sugestão para o Congresso, que há pouco aprovou a MP 668, com um aumento dessas isenções e perdão de multas a igrejas. Que tal fazer a conta? É um bom corte.
A Guerra da Independência americana começou com uma rebelião contra o imposto do chá. A Inconfidência Mineira reagia à cobrança de taxas altíssimas. A Revolução Francesa é filha dos impostos elevados para pagar gastos do governo e da nobreza (que, como o clero, tinha isenção fiscal). Pelo menos Dilma deu sinais de juízo, recolhendo o balão de ensaio da CPMF.
Com alguma coisa acontecendo no coração do Brasil, é melhor não brincar com fogo.
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