sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Réquiem
Como ninguém pode ser contra um mundo melhor, nem contra o amor, nem contra as flores, nem contra a fraternidade universal, está dado o visto no passaporte para qualquer tipo de perversão humana.
O jurista Hélio Bicudo, um homem franzino, baixinho, mirrado, ganhou status de gigante moral quando, em plena ditadura, como procurador, deu combate ao Esquadrão da Morte, organização policial clandestina que eliminava desafetos ignorando os trâmites das leis e os princípios da civilização.
Quando nos idos dos anos 80, uma plêiade dessas almas generosas se juntou em volta de uma entidade política chamada PT, que tinha por objetivo lutar por alguma espécie de “mundo melhor”, era natural que Hélio Bicudo estivesse entre elas.
Quadro precioso do partido do bem, foi candidato a senador (perdendo para Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso), depois vice-prefeito de Marta Suplicy e presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Deixou o partido em 2005, quando o escândalo do Mensalão começou a mostrar que antes de chegar ao “mundo melhor”, o PT estava iniciando uma travessia por atalhos que não combinavam com os bons propósitos de uma gente tão altruísta e preocupada com o sofrimento alheio.
É fácil encontrar na rede um vídeo onde Bicudo diz ter perguntado a José Dirceu qual era o verdadeiro sentido do Bolsa Família, e o hoje presidiário responde que “12 milhões de famílias representam 40 milhões de votos”.
Também não é difícil encontrar o vídeo onde ele fala de Lula, de quem foi candidato a vice-governador de São Paulo em 1982. Depois de dizer que Lula passou 30 dias em sua casa “para curar as feridas” da derrota, Bicudo confessou-se decepcionado ao descobrir que ele não se preocupava em resolver o problema dos pobres mas em “tutelá-los”, e queria chegar ao poder "para locupletar-se”.
Isso bastaria para que Hélio Bicudo fosse arquivado pelos ex-companheiros “en el monte del olvido”, como dizia um célebre bolero.
Mas como ele não parou por aí e resolveu, nesta semana, apresentar uma petição pelo impeachment de Dilma Rousseff, os lutadores pelo “mundo melhor” que ainda estão homiziados na sigla do PT, resolveram usar a sua delicadíssima máquina de destruir reputações, e passaram a qualificá-lo de “gagá" pelos seus 93 anos e a usar contra ele a opinião de alguns dos herdeiros de seu nome.
(A seita dos lutadores por “um mundo melhor” têm uma estranha concepção da velhice: se o velho ainda está aferrado aos seus dogmas, é um sábio; se desiludido, é um gagá. Para conferir a diferença, basta ver como foram tratados pela seita Barbosa Lima Sobrinho ao pedir o impeachment de Collor e Hélio Bicudo ao pedir o impeachment de Dilma).
Em sua petição, Hélio Bicudo diz que Dilma é indissociável de Lula, que o ex-presidente se transformou em “verdadeiro operador de empreiteira”, e pede ao Congresso que ela seja processada por crime de responsabilidade fiscal. “Golpe” - conclui Bicudo - “será permitir que o estado de coisas vigente se perpetue”.
Nada marca melhor a distância entre o céu e a terra que os crentes da seita percorreram entre a fundação do seu partido até os dias de hoje, do que a frase do líder do PT Sibá Machado sobre Hélio Bicudo: “Nosso bom velhinho está querendo participar do debate. Mas isso não preocupa, porque ele já estava rompido com o PT há algum tempo”.
No réquiem do partido, alguém há de lembrar que o PT nasceu Bicudo e está morrendo Sibá.
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