sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Estranho projeto tenta atenuar a lei anticorrupção

Menos de dois anos após a entrada em vigor da Lei Anticorrupção Empresarial, surge o ambicioso Projeto de Lei nº 8.121, de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), com proposta de grandes alterações, incluindo impactos também na Lei da Improbidade Administrativa. Embora pareça moderno, o projeto soa um tanto quanto casuístico e balizado pelas experiências ainda não sedimentadas da Operação Lava-Jato.

Percebe-se atenuação das responsabilidades das empresas, que agora devem apenas “fornecer informações e documentos relativos aos ilícitos objeto da investigação administrativa”, sem qualquer compromisso com efetividade e sem especificar o alcance da eficácia dos documentos.


Os acordos de leniência, no projeto, podem atenuar ou até isentar as pessoas jurídicas das sanções previstas em normas referentes a licitações e contratos, bem como das sanções da Lei Anticorrupção Empresarial (Lei nº 12.846/2013) e da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992).

Segundo a Lei de Improbidade Administrativa, os acordos dependem dos seguintes requisitos: 
1) reparação do dano ou perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, quando verificadas essas circunstâncias, sem prejuízo de eventual aplicação das sanções previstas no art. 12;
2) que a parte não tenha descumprido acordo decorrente desta lei, nos últimos cinco anos;
3) a parte cesse completamente seu envolvimento na infração investigada; e
 4) a parte coopere plena e permanentemente com as investigações e com o processo judicial, inclusive compareça, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
É interessante notar, aliás, que, para a celebração de acordos envolvendo atos de improbidade administrativa, o projeto de lei exige que a cooperação do celebrante seja plena e permanente, enquanto que, para os acordos de leniência da Lei Anticorrupção Empresarial, exclui esses requisitos.

O objetivo do PL nº 8.121 ainda está nebuloso. Se flagrado um funcionário da pessoa jurídica envolvido em corrupção, um caminho muito mais simples, barato e eficiente poderia ser percorrido pela via dos acordos, especialmente se houver excesso de discricionariedade e lacunas de controles nesse terreno. Há que se ter cautela com essa perspectiva, especialmente no momento atual, evitando-se o casuísmo legislativo e a desconfiança da sociedade acerca das verdadeiras motivações do projeto em questão.

Em declarações prestadas à imprensa, o deputado proponente reconhece o casuísmo de sua proposta: “Essa lei é nova, mas não estava preparada para evento do tamanho da Lava-Jato. Não quer dizer que a empresa seria totalmente isenta. Ela ainda teria que reparar o erário, mas, em nenhuma hipótese, se fecharia a empresa. Hoje a declaração de inidoneidade fecha o mercado de crédito, o que acaba matando a empresa”, explicou o parlamentar.

Em outras palavras: se a empresa for flagrada praticando negócios escusos e lesando o erário, ela apenas devolveria os respectivos valores e nada mais. Existe incentivo maior para se cometer ilícito?

Chega a ser esdrúxula a primeira justificativa oficialmente apresentada pelo deputado proponente: “O Brasil não pode ficar a reboque do resto do mundo, sobretudo dos países desenvolvidos”.

Isso parece significar que, pelo raciocínio do parlamentar, o Brasil deve abdicar das políticas de combate à corrupção internacionalmente consagradas e permanecer confinado na pecha de país subdesenvolvido?

Acredita-se que debate mais aprofundado há de ser travado em torno da possibilidade de acordos — e de seus pressupostos — nas ações de improbidade administrativa ou empresarial, tomando como referência os institutos utilizados no âmbito do direito penal econômico, mas um projeto de lei específico para essa finalidade seria o ideal, com um olhar sistêmico e alinhado com as novas tendências mundiais.

Atualmente, o que se quer é a propositura de um espaço para empresas limpas no Brasil, coibindo-se aventuras de corruptores ou empresários que revelem aderência às práticas espúrias de parcela da classe política compromissada com cultura arcaica e patrimonialista.

Fábio Medina Osório e Marcelo Zenkner

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