
A machadada cruel dos nossos tempos faz dela o retrato com o qual a consciência do mundo há de conviver como expressão dessa afronta. O guarda fez o gesto desesperado; mas antes do guarda foi o mundo que não soube salvá-la; o guarda foi o herói dos olhos tristes, fez tudo o que podia. O mundo não soube salvá-la. Seu único destino, o de seus pais, o de seus passos, era sobreviver; seu horizonte não era sequer viver, ter profissão, amores e despedidas: seu destino, esse que agora jaz sem vida no mundo, era o de desenhar na areia a casa, o barco, e já não há nem casa nem barco nem nada. Não há nada. O mundo levou-lhe tudo: nem este nem aquele, nem este país nem este outro: o responsável por esta terrível expressão dos nossos tempos é o mundo inteiro, porque a criança é também o mundo inteiro. Suas mãos são os desenhos que deixa, seu corpo de três ou quatro anos é o que resta da árvore que ela teria imaginado que era a vida, e antes da hora soube que o mundo não sabe salvar as crianças, porque também desconhece como se salvar. Aí jaz, nessa praia, o mundo inteiro.
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