domingo, 30 de agosto de 2015

No centro do tabuleiro


No fim, as pretas estão com muito mais material: uma dama e duas torres além de manter o par de bispos, enquanto têm apenas um peão a menos. Mas o material não ajudou as pretas. As brancas foram capazes de usar suas peças remanescentes, dois cavalos e um bispo, para forçar mate.

“Errei em ter demorado tanto para perceber que a situação era pior do que imaginávamos”, fala pronunciada por nossa presidente e noticiada em toda a mídia na última terça-feira, não causou o impacto que deveria. Ou seja, nenhum de nós disparou até o banheiro, acendeu a luz, e, ao encarar o próprio reflexo no espelho, enrubesceu de tanta vergonha.

Digo, nem o beócio mais espetacular, baba escorrendo pela gravata, pode dar guarida para tamanha desculpa esfarrapada. Dilma sabia muito bem o que acontecia, uma responsabilidade atestada pelo bom senso e garantida por lei. Sua notória incapacidade para combinar um raciocínio com início, meio e fim, não pode servir de escudo, assim como, diga-se, serviu para que amealhasse o título de “honrada” - quando, de concreto mesmo, apenas cumpriu a promessa de fazer o diabo para vencer.

Mas quer saber? O que Dilma diz ou deixa de dizer já não tem importância. Nunca passou de um produto ruim embebido em marketing de quinta. A diferença é que agora já não esquenta a cadeira para Lula como deveria. No caso do PT, faz o papel da novela ruim que contamina a audiência do programa seguinte.

Tanto que, se puxarmos pela memória, a imagem de um Lula perdido, sem saber como se comportar, errando no que diz e nas escolhas que faz, começa a aparecer só lá no final dos anos 80. Claro, mesmo após ter sido eleito, não foram poucas as situações em que falou bobagens ou se viu em apuros - depender da benevolência de Fernando Henrique para não sofrer impeachment foi o fundo do poço. Mas, insisto, o momento é outro.


Não ter a mídia a seus pés faz diferença. Não poder contar com o otimismo do povo faz diferença. Ver a militância, outrora orgulhosa, hoje fundamentalmente reduzida a fiéis profissionais, também faz diferença. Assim como não ter a caneta na mão e constatar o envelhecimento da ladainha sobre herança maldita. Porém, nada, absolutamente nada dificulta e ainda dificultará mais a estratégia de Lula que o desbaratamento público do assalto ao Brasil orquestrado pelo PT.

Seu último discurso, alardeando uma possível candidatura em 2018, foi sintomático. Nada a ver com bravata, estejam seguros, mas um passo para lá de calculado. Por ele, o impeachment de Dilma seria uma dádiva só inferior à antecipação das eleições para semana que vem. Seu cacife político ainda definha em ritmo mais lento que o do PT, mas até quando nem ele mesmo pode garantir. Assim como não existem garantias para o estrago que um longo período de escândalos e recessão pode causar na hora do voto.

Como se não bastasse, desejar um fato novo para frear a derrocada, com Sérgio Moro não dando o menor sinal de esmorecimento, talvez não seja muito prudente.

No longínquo 1851, Londres, o Simpson’s-in-The-Strand foi palco de uma inesquecível partida de xadrez, disputada entre o Adolf Andersen e o Lionel Kiezeritsky. Ao final, Kiezeritsky fez questão de telegrafar cada movimento para seu clube de xadrez em Paris. O trecho no início do texto detalha o último deles. Andersen venceu com as brancas e até hoje o jogo é reverenciado como “imortal”.

Não sou um craque de xadrez, confesso, mas sei o básico. E hoje, na dúvida entre atacar ou defender, o rei das vermelhas se vê sozinho, exatamente no centro do tabuleiro.

O mate nunca esteve tão próximo de acontecer.

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