domingo, 30 de agosto de 2015

A crise e o poder político


É consenso geral que o Brasil vive uma crise grave: economia em marcha à ré, inflação teimosa, juros altos, nota de crédito ameaçada, consumo retraído, saúde e educação claudicando na mediocridade (a saúde à beira do caos), desemprego, arrecadação fiscal em queda, previdência pública beirando o perigo, segurança pública em descontrole dramático, serviço público contaminado pela incompetência e pela improbidade (de que é exemplo apocalíptico o petrolão) e por greves agressivas ao povo, refém sofrido de suas reivindicações. E é consenso geral (matizado pelas perspectivas político-ideológicas) que a responsabilidade pela situação cabe fundamentalmente à condução do País.

Incompetência e corrupção sempre estiveram mais ou menos presentes na política e na administração pública ao longo da nossa História, no Brasil colônia, no Império e na República – nesta, tanto em seus períodos democráticos como nos autoritários. Mas essas mazelas tradicionais têm aumentado nos últimos anos. A crise atual é mais uma no rol das muitas desenvolvidas através dos séculos, no terreno fértil da doença histórica.

Corrigi-la é problema cuja solução se estenderá por muitos anos, talvez por gerações, se vier a acontecer. Não se corrige de um dia para o outro a cultura da permissividade, consolidada na estrutura mental. Com democracia, a correção implica educação para o exercício de direitos e deveres políticos. Implica rever a organização partidária, a metodologia político-eleitoral e nosso sistema presidencialista, marcado pelo apetite das dezenas de partidos amorfos que apoiam (?) o governo – o que explica o surrealista número de ministérios vazios de conteúdo objetivo. Implica reorganizar nossa ordem federativa, hoje política, mas não fiscal, caracterizada pela distribuição de encargos (em tese, correta) e concentração de recursos na União. Implica a reorganização do serviço público, que o proteja do “aparelhamento” venal e incompetente. Implica, enfim, a redução do Estado grande, da cultura histórica do Estado provedor que tudo pode – o que justificaria sua apoteótica interveniência na economia, fertilizante da corrupção, tema que abrange a polêmica questão das privatizações

Mas as crises episódicas precisam ser controladas com rapidez, para evitar que cheguem à ameaça à normalidade da vida nacional, desembocando em soluções salvacionistas de, no mínimo, duvidoso legado positivo em médio/longo prazo. A atual exige medidas urgentes e profundas, algumas no quadro do “ajuste fiscal” já em atribulado e resistido curso. Medidas que visem, por um lado, à contenção do custo do Estado: comedimento cauteloso no investimento público (tão necessário...) e no apoio à atividade econômica privada, redução do custeio corrente (no qual pesam a questão salarial e a previdenciária) e a revisão da máquina do Estado (ao menos como indicação simbólica, a redução do número de ministérios); e, de outro, o aumento corretivo da receita fiscal (é o caso da tão falada desoneração) e, se absolutamente necessário, o da já significativa carga tributária brasileira.

Todas elas medidas penosas, de óbvio custo político-eleitoral no curto prazo, mas indispensáveis à superação da crise. Pretender superá-la com medidas paliativas (se tanto, quando não contraditórias) simpáticas é ilusão a serviço do problema político-eleitoreiro. Os tropeços em seus trânsitos políticos, evidentemente maiores no Congresso Nacional, onde estão sujeitos às vicissitudes político-eleitorais, evidenciarão as posições relativas de seus atores: se preocupados com o País e propensos ao estadismo altruísta à altura da crise, ou se pautados por interesses atendidos pelo populismo eleitoreiro.

As frequentes acusações de que a correção penosa é antitrabalhador não passam de manifestações tendenciosas: antitrabalhador seria deixar a crise chegar ao desastre, de que a maior vítima seria exatamente o trabalhador desempregado...

Há cerca de 120 anos outro Joaquim, o Murtinho, viveu problema similar no Ministério da Fazenda do governo Campos Sales, também decorrente da condução do País em anos imediatamente anteriores. A persistência na solução dolorosa livrou o País da crise de então. Será isso possível hoje, terá Joaquim Levy o apoio político decisivo que teve Joaquim Murtinho...?

Em paralelo com o controle da crise impõe-se, é claro, um “basta” na corrupção. Mas essa correção transcende a crise atual (envenenada pela corrupção) e se estende à cultura tradicional. A força histórica da permissividade e, com ela, da improbidade vai exigir que o empenho em curso (Polícia Federal, Ministério Público e Justiça) não venha a ser apenas um espasmo episódico. Deve persistir por muito tempo.

É preciso que a sociedade e o nosso mundo político entendam que a legalidade do governo ou, mais abrangente, do poder político (Executivo e Legislativo) instituído democraticamente é, de fato, assegurada pela eleição. Mas sua legitimidade no correr do mandato decorre da eficiência e correção de seu funcionamento. A fragilidade da conciliação entre o poder baseado na lei e a legitimidade baseada no seu desempenho debilita o poder legal – quando não o desacredita – e acaba fazendo emergir hipóteses de substituição do poder político eleito, racionais, nos trilhos da lei, ou emocionais e abstratas, na desordem do turbilhão dos fatos, de consequências, no mínimo, inseguras.

A fisionomia política predominante hoje não inspira firme esperança de que a evolução positiva venha a ocorrer rapidamente: viveremos avanços positivos e concessões paliativas que freiam o processo, em coerência com a permissividade e o ânimo estatista (capital clientelista e povo) brasileiro. Ao cidadão comum consciente do problema resta pressionar, manifestar-se favorável e “torcer” para que a evolução ocorra logo, em benefício da tranquilidade e do progresso nacional.

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