terça-feira, 23 de setembro de 2025

Adeus sob fogo: o deslocamento sem fim do norte de Gaza

Mais uma vez, fomos forçados a deixar o norte de Gaza sob uma tempestade implacável de bombardeios, medo e destruição, iniciando mais um deslocamento carregado de exaustão e perdas, desta vez em direção a Al-Mawasi, em Khan Yunis.

Ali, no local que a ocupação alegava ser "seguro", com acesso a água, medicamentos e necessidades humanitárias básicas, encontramos apenas terras inundadas de famílias deslocadas, rostos cansados ​​e dor recorrente. Al-Mawasi não era um refúgio, apenas mais uma parada em uma longa jornada de sofrimento, onde a vida não é verdadeiramente vivida, mas apenas suportada.

Nossa alegria ao tocar as paredes de nossa casa novamente não durou muito. Era a mesma casa que havia sido atingida por projéteis israelenses durante o cessar-fogo. Retornamos carregados de esperança, tentando com nossas mãos e corações cansados ​​limpar os escombros, tirar o pó das memórias, trazer de volta um traço do antigo pulsar da casa.


Acreditávamos que o amor bastaria para permanecermos — que nos apegarmos ao nosso lar, mesmo com todas as suas feridas, era o mínimo que podíamos fazer. Como família, fizemos uma promessa: não iríamos embora, ficaríamos enquanto tivéssemos fôlego em nossos corpos.

Mas a ocupação, com sua violência e arrogância, nos privou até mesmo desse direito. E, mais uma vez, não nos restou nada além da amargura da partida forçada.

No bairro de Sheikh Radwan, ficamos presos sob o fogo de drones quadricópteros. Eles bombardeavam e perseguiam cada movimento, tornando impossível abrir a porta ou mesmo olhar pela janela. Vivemos noites intermináveis ​​de terror, ouvindo o zumbido constante acima de nossas cabeças, contando os segundos até o próximo míssil atingir.

Em seguida, a ocupação instalou uma posição de atiradores de elite com guindastes a leste do bairro, mirando em qualquer um que se movimentasse pelas ruas. Era como se tivessem nos cercado com uma cerca de fogo, sufocando nossas vidas, apertando o cerco ao nosso redor e nos forçando mais uma vez à deportação.

Os últimos dias antes da nossa partida foram como os horrores do Dia do Juízo Final. Muitos dos nossos vizinhos receberam avisos de evacuação, seguidos por bombardeios devastadores. O cheiro de pólvora e fumaça ainda persiste no meu nariz até hoje, e continuo com dificuldade para respirar devido à intensidade do que suportamos. Ficamos sem água e comida; os mercados estavam fechados; até as barracas de rua se tornaram alvos de bombas lançadas por aviões à noite. Não tivemos escolha a não ser fugir para o sul para escapar da morte certa.

A jornada de deslocamento foi árdua em todos os detalhes. Meus pais idosos, sobrecarregados por doenças crônicas, não conseguiram suportar a longa jornada. Carregamos suas preocupações em nossos corações antes de carregá-los em nossos braços. Nossa viagem do norte ao sul levou quase seis horas sob um sol escaldante, pela Estrada Rashid, que a ocupação designou como rota de evacuação.

No caminho, presenciamos uma cena que jamais será apagada da memória: uma barraca na praia desmontada diante dos nossos olhos, com corpos espalhados pela areia. Estávamos a poucos metros de distância, mas essa distância foi suficiente para nos roubar o sono para sempre. Mesmo agora, sempre que fecho os olhos, aquela cena volta para me acordar.

Após a exaustiva jornada, chegamos ao campo de deslocados de Khan Yunis. O local estava insuportavelmente superlotado. Os serviços eram escassos, insuficientes para todos. As pessoas eram obrigadas a descer até o mar sob o sol escaldante para coletar água salgada, o que levou à disseminação de doenças de pele entre adultos e crianças. Observar as pessoas enchendo garrafas com água do mar parecia uma cena de romance apocalíptico. Tudo aqui é difícil: dormir, comer, conseguir remédios — até mesmo encontrar um pequeno pedaço de sombra para descansar se tornou um desafio.

Hoje, vivemos em um turbilhão de ansiedade e medo. Todos os dias, assistimos às notícias sobre novos prédios residenciais desabando em Gaza. Dormimos pensando: nossa casa ainda estará de pé ou também se transformará em escombros? Meus pais precisam de cuidados médicos contínuos e medicamentos que não conseguimos encontrar.

Sinto-me impotente e frustrado pela minha incapacidade de garantir os medicamentos deles e pela impotência da nossa família diante dessa tragédia implacável.

E, no entanto, apesar de tudo isso, há uma voz interior que se recusa a ceder. Ela me sussurra que Gaza resistirá e que um dia retornaremos ao norte para reconstruir, pedra por pedra, erguendo nossos lares novamente com nossas próprias mãos. Essa voz me diz que esta terra permanecerá livre e orgulhosa, não importa quanto tempo dure a destruição, e que toda essa dor é apenas um capítulo na história da resiliência.

Gaza está sangrando hoje, mas não vai se romper. A Gaza da qual me despedi — com esperança de retorno — permanecerá sempre em meu coração como um símbolo de dignidade e orgulho, até que cada pessoa deslocada volte para casa, cada criança retorne à escola e cada família se reencontre com suas memórias.

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