terça-feira, 23 de setembro de 2025

Tentativa de golpe de 2023 não acabou

As grandes manifestações de 2013 representaram o prelúdio da narrativa social pelo pedido de tutela militar sobre o poder presente em todas as manifestações da extrema direita no Brasil. O fetiche por um governo militar não é recente. Para lembrar, com o fim da monarquia, entre 1889 e 1894, o país foi dominado por setores militares. Desde a independência de Portugal, (1822) até 1964, ocorreram 9 golpes de Estado e 23 tentativas de interrompem o curso normal do poder político regido por leis. A luta pelo poder a partir da ruptura da ordem instituída é uma ideia com padrão histórico e está presente, ainda hoje, como nos lembra o filósofo Newton Bignotto na obra Golpe de Estado: a história de uma ideia.

Em 2014, um ano após os atos, Dilma Rousseff foi reeleita para mais quatro anos como presidenta da república. Contudo, Aécio Neves (PSDB/MG) não reconheceu a derrota e incitou a narrativa da Lava Jato de que o governo do PT era uma “organização criminosa”. A narrativa fazia parte do roteiro do golpe institucional que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e fora patrocinado pelo vice-presidente Michel Temer (MDB/SP), pelo presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha (MDB/RJ), setores econômicos, militares, sistema de justiça e os grandes veículos da comunicação.


O golpe institucional de 2016, contra o governo da presidenta Dilma Rousseff, no entanto, fazia parte de uma estratégia mais ampla. Visava o fim do ciclo vertiginoso de democracia na América Latina. Ele interrompeu o desenho geopolítico a partir do Sul Global, desmontando o Mercosul, a Unasul, inviabilizando a Celac – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – e comprometendo fortemente os BRICS e o Banco do Sul. Além disso, anulou a construção de uma política soberana de exploração do pré-sal e a busca por uma transição ecológica no Brasil, financiada com os recursos do petróleo.

Como lembra Christian dos Reis, sociólogo e amigo, “o jogo é jogado e o peixe é pescado”. O pescador experiente sabe que é preciso conhecer o comportamento dos peixes que nadam solitários ou em cardumes, compreende as águas e as marés e cultiva o hábito da paciência. Por fim, tanto o resultado do jogo quanto o sabor do peixe, não se conhece de antemão.

Com Temer no poder, o segundo lance do jogo foi colocado em prática. Lula, líder nas pesquisas, foi condenado e preso. Impedido de concorrer à presidência, ele passou o bastão a Fernando Haddad (PT/SP) e Manuela D’Ávila (PCdoB/RS). Bolsonaro foi eleito no segundo turno. Os quatro anos seguintes são indescritíveis, tanto pelo desgoverno quanto pela pandemia em si, com centenas de milhares de mortes no Brasil.

O desgoverno Bolsonaro terceirizou o orçamento da União ao Congresso Nacional e, de forma sorrateira e silenciosa, sem que nos déssemos conta, alterou profundamente o sistema político brasileiro. Isso afetou, em particular, o sistema de freios e contrapesos na relação entre os poderes. O escandaloso “orçamento secreto”, um movimento tático do golpe, fraturou o presidencialismo de coalizão.

Para explicar melhor: anteriormente, deputados federais e senadores precisavam compor com o Poder Executivo para promover obras, serviços e políticas públicas nos estados, uma vez que o Poder Executivo detinha o controle sobre o Orçamento da União. Por sua vez, o Poder Executivo necessitava dos votos das bancadas para aprovar projetos de seu programa de governo. Havia, então, uma composição de interesses legítimos: um de governar, outro de levar para suas bases bens e serviços do governo federal. Atualmente, um deputado federal tem mais recursos disponíveis a partir das emendas ao orçamento, incluindo o “orçamento secreto”, do que muitos ministros de Estado. Essa jogada, promovida por Arthur Lira (Progressista/AL), alterou o padrão de pesos e contrapesos entre Executivo e Legislativo.

Lembra-se da paciência do pescador? Festejado pela mídia, pelo agronegócio e por clubes militares, o ex-juiz federal Sergio Moro abandonou a magistratura para se tornar ministro de Estado no governo Bolsonaro. Ele foi considerado juiz imparcial nas ações da Lava Jato que condenaram o presidente Lula e todas as suas ações, contra o presidente, foram posteriormente extintas.

Lula sai da prisão injusta. Apaixonado por Janja, casou-se e tornou-se novamente candidato à presidência da república pelo PT. Foi eleito (2022) por uma margem de votos apertada, menos de 3 milhões de votos. A vitória mais grandiosa de todos os tempos.

Mas, lembre-se: jogo é jogado, peixe é pescado. Inconsolados com a derrota, apoiadores de Bolsonaro realizaram mais de dois meses de acampamentos em frente aos quartéis em todo o Brasil, pedindo uma intervenção militar. Em janeiro de 2023 foram a Brasília. Praticaram atos de incitação ao golpe contra o poder instituído. Destruíram símbolos nacionais, depredaram patrimônio da União tanto no Congresso quanto no STF, cometeram violência contra servidores públicos e, tudo indica, visavam colocar em prática o plano “Punhal verde e amarelo” para matar o Presidente da República, o vice-presidente e ministros da Suprema Corte. Os golpistas, por fim, esperavam do Executivo, do Congresso Nacional e do STF uma rendição. E, neste caso, vejam vocês, por muito pouco, o arco-íris muda de cor e a rosa nunca mais desabrocha.

No dia seguinte à tentativa de golpe, em 9 de janeiro de 2023, a resposta veio. Um cordão humano, patrocinado pelo presidente Lula, caminhou em direção ao STF, reunindo ministros, presidentes da Câmara e do Senado, e os 27 governadores – inclusive os mais bolsonaristas, como Zema (Novo/MG), Tarcísio (Republicanos/SP) e Jorginho Mello (PL/SC), estavam presentes no ato em defesa da democracia. Dias depois, em 27 de janeiro de 2023, em um novo encontro com governadores, o governo divulga a carta pela democracia onde se lê: “A democracia é um valor inegociável”.

Mais de dois anos após o 8 de janeiro de 2023], 898 pessoas foram responsabilizadas pelos atos golpistas. Dessas, 371 foram condenadas, enquanto outras 527 admitiram a prática de crimes menos graves e firmaram acordo com o Ministério Público Federal (MPF). Entre as condenações, 225 resultaram em 17 anos e 6 meses de prisão, com base em provas classificadas como graves. As outras 146 foram condenadas por incitação e associação criminosa (abolição do Estado Democrático de Direito), consideradas crimes simples. Os condenados devem usar tornozeleira eletrônica por um ano, pagar multa, prestar 225 horas de serviços à comunidade e participar de um curso presencial sobre democracia[11] – adoraria ver!

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado em julgamento no STF, em 11 de setembro de 2025, a 27 anos e três meses de prisão. Ele já estava inelegível por 8 anos devido a outra condenação. Aguardam julgamento outros 23 réus pela tentativa de golpe contra a democracia, incluindo militares de alta patente.

O governo Lula 3 recolocou o Brasil, de forma soberana, como um importante player na geopolítica global. Atualmente, somos a 8ª economia mundial, estamos entre os 5 países com maior crescimento do PIB, ocupamos a 6ª posição em produção diária de Petróleo e nossa balança comercial, no 3º trimestre de 2025, registrou superávit, mesmo diante da agressão das tarifas do governo Trump. Internamente, temos a menor taxa de desemprego da série histórica (5,8%) e, novamente, sob o governo do PT, o país deixou o mapa da fome.

“Mas a tentativa de golpe não terminou ainda, você não tinha notado?” Na Câmara Federal, duas manobras foram aceitas pelo presidente Hugo Motta (Republicano/PB): a primeira, foi a aprovação, em tempo recorde de dois turnos, da Emenda Constitucional chamada PEC da blindagem, que impede a investigação, prisão e condenação de parlamentares do Congresso Nacional. Caso seja promulgada, deputados federais poderão tramar golpes de Estado à luz do dia, além de crimes hediondos. Incrível, não é? Oxalá, o Senado não dê asas a doido. A segunda manobra é um incentivo para golpistas: a tal anistia. Ampla ou restrita? Não importa! A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 começou na anistia dada aos militares golpistas em 1979. A constante sabotagem das forças armadas à Comissão da Verdade sobre os crimes do regime militar é só mais uma face da violência. A sequência de golpes de Estado vem acompanhada de impunidade.

Os grandes jogadores do Capital global estão em ação neste momento, sim, neste exato momento enquanto você lê este artigo, caso tenha chegado até aqui. Alguns controlam mercados e transações globais, como as big techs, livres de regulamentação. Outros desestabilizam democracias, destituem governos, promovem guerras, crises humanitárias e genocídio, a exemplo do governo de Benjamin Netanyahu (Israel) contra o povo palestino. As sanções do governo Trump, parte do jogo do Capital, visam reduzir a velocidade do comércio mundial e da corrida tecnológica (especialmente da China) embaralhando as cartas e redesenhando fluxos de transações. Contra o Brasil, as tarifas representam um ingrediente de apoio ao permanente clima de golpe contra a democracia. Em 1964, o governo americano realizou a Operação Brother Sam, apoiando o golpe militar com um porta-aviões. Atualmente, impõe tarifas maiores ao Brasil, tentando desestabilizar o governo democrático, mas, sem sucesso.

Vivemos em um clima de permanente instabilidade democrática. A corrida armamentista global também coloca em pauta a guerra fria e o retorno do autoritarismo na América Latina conforme alertado pelo Itamaraty na Organização dos Estados Americanos e evidenciado pela presença de navios de guerra dos Estados Unidos na costa da vizinha Venezuela.

A hora é agora!

Neste domingo, 21 de setembro 2025, foi o preludio da nova primavera da democracia. Grandes manifestações tomaram as ruas em todo o Brasil contra a PEC da blindagem e contra a anistia a golpistas. A bandeira verde amarela foi resgatada na luta pela soberania e o poder popular. As mobilizações nas ruas, nas redes sociais, na organização de base nos territórios, devem seguir até que seja alterada, nas eleições de 2026, a composição do Congresso Nacional e garantida a reeleição do presidente Lula. Estas são as condições para a manutenção da soberania e da democracia no país.

Para além de uma derrota jurídica e eleitoral, deve ser imposta uma derrota moral aos que semeiam o ódio e a ideia de golpe contra a democracia. Sem anistia, sem acordos, sem retrocessos, sem dar a outra face ao tapa, chega! IMPUNIDADE E ANISTIA, NUNCA MAIS!

Que venham as flores de um novo tempo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário