O crescimento da extrema direita portuguesa trouxe para as ruas uma guerra cultural que não poupa nada nem ninguém. Também a língua se transformou num confuso campo de batalha. Os ultranacionalistas portugueses mostram-se muito irritados com a suposta “colonização” do seu país pelo português brasileiro. Ficam desorientados, e ainda mais enraivecidos, sempre que alguém lhes chama a atenção para as inúmeras contradições — como podem orgulhar-se da força global da língua, e, ao mesmo tempo, desprezar as variedades brasileiras, sabendo-se que há hoje 212 milhões de brasileiros e apenas dez milhões de portugueses?
Quem quer que ame e se interesse pela língua portuguesa tem de se interessar por todas as suas variedades e por todos os seus sotaques.
Sempre que, num dos seus vídeos, Marco Neves chama a atenção para a etimologia árabe de uma determinada palavra — na nossa língua há largos milhares de palavras originárias do árabe — surgem logo dezenas de pessoas tentando negar essa evidência, ou acusando-o de “ser obcecado” pelos arabismos.
Existem mesmo extremistas defendendo que se “depure” a língua portuguesa de arabismos, brasileirismos e africanismos. Gostaria de escutar essas pessoas tentando falar português sem recorrer a todas essas palavras. Deve ser algo parecido com jogar tênis sem utilizar raquetes — e nem as mãos.
Cada palavra da nossa língua tem uma história para contar. Histórias de encontros, de viagens, de violências, de paixões, de amores e desamores. Cada uma dessas histórias constitui um capítulo de um vasto romance, no qual estão representados todos os povos do vasto mundo onde se vem inventando a língua portuguesa — além dos crioulos de matriz portuguesa. Esses crioulos guardam verdadeiras joias linguísticas, arcaísmos, palavras que se extinguiram no português do Brasil e de Portugal, mas que ali se mantêm vivas, vibrantes e luminosas.
Num episódio recente, uma deputada do partido de extrema direita Chega, Rita Cid Matias, queixou-se no Parlamento de que nas escolas portuguesas há cada vez mais crianças com nomes árabes.
— O seu nome também é árabe — lembrou-lhe uma outra deputada. — Cid vem do árabe Said. Significa chefe.
Rita negou, horrorizada. O episódio diz muito sobre a pobreza intelectual da extrema direita. Seria até bom se estes extremistas concretizassem o propósito de expurgar do seu português todos os arabismos, africanismos e brasileirismos — ficariam mudos!

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