Vivemos em novos tempos e tempos curiosos, o capitalismo que antes era conhecido como sistema econômico, atualmente não se tornou somente uma ideologia, mas uma religião, onde fé e dominação caminham lado a lado. O neoliberalismo, é doutrina teológica do capital, canonizou os indivíduos e as sociedades, beatificou o empreendedorismo e excomungou os direitos dos mais necessitados Afinal, como dizem os novos apóstolos do capital: “quem tem direito, não tem mérito”
Nesse cenário, a precarização da vida não é um acidente de trajeto, mas sim uma causa consciente. É um projeto. É um dogma. É uma doutrina. A tal “liberdade econômica”, repetida em “missas” tecnocráticas por economistas ungidos nas cátedras do capital, não visa liberdade da pobreza ou da desigualdade, mas sim a purificação do sistema, de qualquer resquício de dignidade humana daqueles que “atrapalham” o desenvolvimento do mercado.
Na espiritualidade do capital, a desigualdade não é o problema, mas um sinal de conquista daqueles que “se esforçaram mais” nos lobbies realizados nos corredores da política, pois: “eu lutei pela minha fortuna não ser taxada, se você perdeu, foi porque não se esforçou bastante. A justiça social, se ousa existir, é tratada como um percalço no desenvolvimento econômico, uma heresia estatal. Jung Mo Sung denuncia com precisão essa lógica perversa em seu livro Idolatria do Dinheiro e Direitos Humanos:
“O ideal utópico do neoliberalismo é um mercado que seja totalmente livre das intervenções e limitações da parte do Estado e da sociedade. Para eles, quem tem direito não são todos os seres humanos, nem todos os cidadãos, mas os que têm capacidade de realizar seus direitos através da relação de compra e venda, isto é os consumidores que podem pagar no mercado. Os direitos fundamentais dos seres humanos não nasceriam de dignidade humana, mas sim do contrato de compra e venda no mercado.”
Ou seja, não somos sujeitos de direitos, mas clientes da existência. E só tem dignidade quem pode pagar por ela.
A lógica da acumulação se disfarça de racionalidade, eficiência, liberdade e meritocracia. Mas no fim das contas, é apenas a velha idolatria ao capital, ao dinheiro. Como já ironizava Pink Floyd em Money (1973):“Ah, don’t give me that do-goody-good bullshit I’m in the high-fidelity, first class travelling set And I think I need a Learjet”( “Ah, não me venha com essa de bonzinho, eu estou no grupo de viagens de alta fidelidade, primeira classe, e acho que preciso de um Learjet” )
Aqui, a ironia é crua e realista para aqueles que crêem na realidade: o valor da vida não está na sua humanidade, mas no acesso ao luxo, ao conforto privado, as cifras no branco. A espiritualidade do mercado promete ascensão e sucesso – desde que você suba pela escada da competitividade individual.
É nesse espírito que Jung So Mung e Josué Cândido da Silva nos propõe uma reflexão sobre o fetiche da riqueza em seu livro Conversando sobre ética e sociedade:
“Nas nossas sociedades modernas capitalistas, com o mito do progresso, a economia passou a ser um fim em si mesma. As pessoas não trabalham mais para viver, mas vivem para trabalhar e ganhar dinheiro. As pessoas se perguntam “como ganhar dinheiro”, mas dificilmente se pergunta, “para que ganhar dinheiro”. Diante dessa pergunta inconveniente, respondem que é para ganhar mais dinheiro ou para poder comprar muitas coisas. Mas comprar é trocar dinheiro por um outro tipo de riqueza. No fundo, continua no mesmo objetivo de acumular riquezas.”
Ademais, a vida se tornou um meio para o dinheiro, para o capital. Trabalha-se para consumir. Consome-se para justificar a própria existência. Acumula riqueza para demonstrar o valor da existência.
Os mesmo autores ainda lembram algo essencial:
“O que não podemos esquecer é que “consumidor” não é sinônimo de cidadão ou ser humano. Consumidor é o ser humano que tem dinheiro para entrar no mercado. Aqueles que não têm não são consumidores e estão fora do mercado. As mercadorias não são destinadas à satisfação, mas sim dos consumidores.”
O capital através do mercado, não apenas determina o que é valor, mas também quem é incluído nos seus cálculos e quem deverá ser excluído. A quem não prática essa religião chamada capitalismo, apenas resta a indignação.
Enquanto isso, os deuses da Faria Lima seguem nos observando do alto de suas salas envidraçadas e torcendo para que suas riquezas não sejam taxadas, pois o Estado Social já existe para eles.
Diogo Almeida Camargos

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