Não há sociedade que prescinda da força, nem história social de que esteja ausente a violência, seja como condição ou como ato. É disruptiva tanto coletivamente, em caso de guerra, quanto individualmente, como anomia. Na Divina Comédia, Dante reserva aos violentos o vale do Flegetonte, o sétimo círculo do inferno. A modernidade tenta proteger-se com o monopólio estatal do fenômeno.
Mas os cidadãos temem primeiro os atos e não o pouco visível estado de violência, por mais que uma sociedade estruturalmente desigual esteja sempre afeta a atos de anomia. De fato, a iniquidade econômica e política dá sempre margem a ciclos expansivos da violência.
Entre nós, uma política preventiva deveria começar desmistificando a imagem romantizada do país. O escravismo e o patriarcalismo adestraram as elites na negação das diferenças pelo extermínio puro e simples. Atávicos nas formas coletivas de consciência, esses fenômenos fossilizados respondem até hoje pela naturalização de práticas violentas contra a gente mais pobre.
Individualmente, violência ou desmedida da força é o ovo da serpente entocada no mesmo terreno do diálogo. É o espaço também marcado por vetores sociais anacrônicos, como a suposta ascendência física do homem sobre a mulher. Um mito desmentido pela própria tecnologia dos corpos: força muscular jamais foi a fonte real de poder. Sem diálogo, ao ver contrariada a perspectiva mítica de seu domínio, a contraparte masculina, movida por fúria patriarcal-narcísica, resvala para a violência. Em ricos e pobres, violência é linguagem sem palavras, expressão envenenada da miséria humana.
Violência organizada, porém, é estratégia coletiva de poder, aliás, o único ponto inequívoco do desgoverno federal. A farra das armas, que inflama o estado de violência com surtos agressivos, é a cara sem máscara do terror. Colecionador, praticamente um miliciano incubado, é uma intimidação latente. Mafializou-se a vida social desde o Norte até o Sudeste, que perde território para milícia e tráfico. O elevado potencial de guerra urbana é a mais vexatória ameaça à sociedade civil. Com o Estado caindo de quatro frente ao crime, a política de violência armada é a própria autonegação do Brasil republicano.
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