Bolsonaro tirou do seu caminho os líderes que tentavam preservar as Forças Armadas como instituição de Estado e as atraiu para seu domínio pessoal. Abrigo onde já estavam as polícias militares, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, as milícias, as agências de inteligência, todos os estamentos de vigilância e segurança, os produtores e vendedores de armas e munições. Uma associação que lidera como poderoso chefão de um sindicato armado, cujo logotipo é a sugestiva mão com os dedos polegar e indicador esticados em ângulo reto e três dedos dobrados.
O Exército, que se sobressai entre as Forças, perdeu substância profissional e ideológica. Suas lideranças se enfraqueceram, não mais tiveram o êxito anterior em missões civis de desafiante complexidade. Como se viu na ocupação do Ministério da Saúde, onde produziu um desastre.
O Alto Comando se deixou vulnerável ao assédio histórico de Bolsonaro às patentes subalternas e forças auxiliares. O comando se exerce por meio de instrumentos típicos da mobilização trabalhista: salários, ampliação das prerrogativas, equalização das vantagens, proteção em reformas das carreiras, ampliação dos postos de trabalho.
Não há nada mais no horizonte, menos ainda governo. A meta a alcançar é uma ditadura. Abertamente admitida pelos filhos do presidente. Tal projeto político pessoal e subversivo tem o fim imediato de interromper a alternância de poder caso Bolsonaro perca a disputa de 2022. Já está preparando, em público, a acusação de fraude futura, ao modelo Trump, para anular as eleições. Ao mesmo tempo que, numa espécie de plano B, turbina o Bolsa Família para reconquistar a popularidade perdida e ter um desempenho que lhe sirva de pretexto.
Na sequência, o roteiro inclui desmoralizar instituições, já tendo obtido a capitulação das que poderiam interromper sua marcha. Bolsonaro reduziu a Câmara dos Deputados a um balcão, onde compra as mudanças de legislação de que precisa para enquadrar a realidade à sua fantasia. Maneja sem esforço a Procuradoria-Geral da República. Fidelizou setores produtivos, como o ruralista. Com método, vai ocupando plenários decisivos. Amarra estatais e bancos públicos. Bolsonaro consome seu mandato em atitude possessiva e onipotente.
Na sequência cadenciada de demolições, ele aumenta agora o cerco ao Supremo Tribunal Federal. Recorre à velha teimosia acusatória: o STF o impede de gerir a pandemia como quer, com seu renitente negacionismo que colocou o Brasil no triste pódio dos campeões de mortes. Na verdade, o STF o incomoda por outras razões, não confessadas. Como vetar nomeações impróprias. Ou não se intimidar na instalação de inquéritos para investigar atos golpistas que tornaram réus seus filhos, auxiliares próximos e deputados do grupo.
Bolsonaro quer arquivar todas as investigações, sem julgamento. A resposta do Supremo Tribunal Federal a este desejo indicará seu grau de resistência.
O presidente insiste, ainda, em tirar dos Estados e municípios a gestão compartilhada da pandemia, para ser ele a única instância de decisões sobre abertura irrestrita do comércio. Alega o artigo 5.º, pelo direito de ir e vir, mas sonega o principal preceito do dispositivo, que o Supremo deverá invocar: o direito à vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário