A frase chama atenção porque, se dita por um aliado do presidente da República, o que parece ser o caso, é a manifestação mais sincera do verdadeiro programa de governo do atual presidente. Se não saiu da boca de um acólito, também resume bem ao que assistimos. Trata-se de resolver os problemas DELE, não do país, o resto funcionando como cortina de fumaça preta, para enganar aquele quarto do eleitorado que, pelo jeito, continuará bolsonarista até ser jogado de uma das bordas da terra plana que habita.
Para eliminar os problemas DELE, Jair Bolsonaro jogou fora o pacote anticorrupção, ajudou a destruir a Lava Jato, interferiu politicamente na Polícia Federal, que agora se encontra balcanizada como nos tempos de Lula, passou a usar a Abin privativamente, aliou-se ao Centrão e instituiu um orçamento secreto para comprar parlamentares. Para eliminar os problemas DELE, concentrado que está em reeleger-se, em traição à sua promessa de não concorrer pela segunda vez ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro inventou uma cura falsa para a Covid e continua a estimular as pessoas a retomar a vida normal, a fim de produzir imunidade de rebanho natural ao custo de centenas de milhares de vidas — o que importa apenas são as estatísticas de crescimento para vender na campanha eleitoral de 2022. Para eliminar os problemas DELE, ele noiva com o golpismo (é muito mais do que um flerte a esta altura), estimulando a indisciplina nos quartéis e creditando desde já uma derrota nas urnas a fraude.
Todos esses fatos são cansativamente sabidos, mas nunca eles foram tão bem sintetizados por uma frase como “a prioridade do presidente Bolsonaro não é resolver o ‘problema do Brasil’, mas eliminar os problemas DELE”. Trata-se da manifestação mais crua do patrimonialismo brasileiro, esse sistema sempre aberto a arrivistas que reproduz as perversidades seculares a que nos sujeitamos — e que coloca o “problema do Brasil” sempre dessa forma, entre aspas. Jair Bolsonaro é manifestação purulenta de doença antiga.
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