Não é de hoje que o presidente Jair Bolsonaro vem colocando em dúvida o número de mortos na pandemia. Mais de uma vez, acusou os governadores de Estado, seus desafetos, de inflar as estatísticas para justificar a quarentena e, assim, criar uma crise com o objetivo de prejudicar o governo.
Foi necessário afastar dois titulares da Saúde para que Bolsonaro finalmente encontrasse um ministro subserviente o bastante para transformar essa teoria da conspiração em política de governo.
Ao maquiar os dados, o presidente Bolsonaro e seus serviçais no Ministério da Saúde atentam contra as regras básicas de transparência da administração pública. Sem a publicidade ampla e integral de informações produzidas pelo Estado, a democracia não se realiza, pois a manipulação de dados compromete a capacidade dos cidadãos de exercer o controle público da administração. Além disso, informações distorcidas certamente resultam em decisões equivocadas, tanto por parte dos cidadãos como por parte do governo.
Na hipótese de que a ardilosa revisão dos números da pandemia desenhe um quadro menos grave do que o atual, seria natural que os cidadãos desafiassem as regras de isolamento social impostas pelas autoridades estaduais e municipais – exatamente como deseja o presidente Bolsonaro. Ou seja, tomariam uma decisão temerária baseados em estatísticas falsas ou adulteradas, colocando em risco ainda maior a saúde pública em meio à pandemia.
Como bem lembrou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, “a manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários” e, portanto, é preciso “parar de brincar de ditadura” no Brasil. Na Venezuela chavista, que o presidente Bolsonaro tanto critica, os dados oficiais foram tão manipulados que perderam completamente a credibilidade, obrigando a sociedade civil a apurar as informações por conta própria.
Há um movimento semelhante aqui no Brasil. Logo depois que o País tomou conhecimento da iniciativa do governo de esconder os dados da pandemia, veículos de comunicação – entre os quais o Estado – decidiram trabalhar de forma colaborativa para obter as informações nas Secretarias de Saúde de todos os Estados. Além disso, o Tribunal de Contas da União ofereceu-se para fazer a consolidação dos números. Por fim, partidos de oposição entraram na Justiça para exigir a divulgação correta e ágil das estatísticas.
A firme reação da sociedade ante as patranhas do governo Bolsonaro em relação à pandemia coincide com o início de um movimento de defesa da democracia, que no domingo passado, a despeito da necessidade de manter o isolamento social, levou milhares de pessoas às ruas, em protestos pacíficos. Para o governo, esses cidadãos cansados do embuste bolsonarista são “terroristas”.
Um governo que vive de enganar os cidadãos e de criminalizar a oposição não é democrático e deve ser denunciado com o maior vigor, mesmo diante das limitações sanitárias impostas pela pandemia. A coragem moral que falta a alguns no governo sobra entre os brasileiros de bem – maioria absoluta da população.
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