É como se a sequência de erros tivesse surtido o efeito de uma vacina às avessas. Cada dose de equívoco reforçou os anticorpos que tornaram o presidente imune ao acerto. A desfaçatez e a insensibilidade encontraram o equilíbrio em suas veias.
Há algo de sádico no comportamento de Bolsonaro. Houve um momento em que ele poderia ter abandonado o negacionismo. Foi no instante em que manuseou, no início de abril, uma pesquisa do Datafolha.
A sondagem revelava que 76% dos brasileiros aprovavam a maneira como o Ministério da Saúde, sob Henrique Mandetta, lidava com a pandemia. Entre os eleitores bolsonaristas, a aprovação explodia para notáveis 82%.
Bastaria a Bolsonaro encostar sua imagem na gestão de Mandetta, jactar-se da qualidade de sua equipe, e credenciá-la para realizar uma coordenação da crise desde Brasília.
O esforço poderia resultar em nada. Mas revelaria a presença no Planalto de um presidente disposto a presidir a crise. Bolsonaro preferiu ser presidido pela pandemia. Permitiu que o vírus influenciasse o rumo do seu governo.
Com a pasta da Saúde transformada em unidade militar com um par de puxadinhos do centrão, Bolsonaro deixou-se infectar por um germe oportunista. O germe da ocultação. O presidente quis maquiar a pilha de cadáveres. Não colou.
O Brasil está prestes a ultrapassar a barreira dos 40 mil corpos. Há na praça previsões que empurram o número de cadáveres para as fronteiras do inimaginável.
Mais tarde, dentro de uns 100 anos, quando a posteridade puder falar sobre esse período da história sem usar máscara, surpreenderá os brasileiros do futuro com o relato fantástico de uma história de amor: a trajetória do vírus que tatuou centenas de milhares de corpos na biografia de um presidente que se apaixonou pelo erro, sendo plenamente correspondido.
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