quarta-feira, 10 de junho de 2020

O risco do bolsonarismo chavista

Quando os professores José Arthur Giannotti, Denis Lerrer Rosenfield e a deputada Joice Hasselmann dizem uma mesma coisa, é bom que se preste atenção. Afinal, cada um com suas qualificações, eles têm pouco em comum.

“Bolsonaro dá um passo além, em seguida dá um passo recuando. Aos poucos, vai instalando o Estado de modo em que ele possa se transformar em uma Venezuela.”

Rosenfield: “No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo, calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os cidadãos. No Brasil, estamos vivendo um processo semelhante nos seus inícios, só que de sinal trocado.”

Joice Hasselmann, ex-líder do governo Bolsonaro no Congresso: “Antes que o Brasil caia num chavismo de verdade com o sinal trocado, eu propus o processo de impeachment.”

Antes da eleição presidencial de 2018 havia gente assustada com a possibilidade de o Brasil virar uma Venezuela na mão do PT. Deu-se o imprevisível e surgiu o risco de uma venezuelização com Bolsonaro. Ele foi um capitão indisciplinado, Hugo Chávez foi um coronel golpista. Ambos foram eleitos e ambos eram paraquedistas. Uma vez no poder, Chávez aparelhou-o com militares e, nas palavras do vice-presidente Hamilton Mourão, “existe uma corrupção muito grande nas Forças Armadas venezuelanas. Elas perderam a mão em relação à missão que têm no país”.

Bolsonaro nomeou centenas de militares da reserva e da ativa para cargos na sua administração. No Ministério da Saúde há 21. Seu governo mostrou-se tolerante com policiais militares amotinados, mas não mexeu com a disciplina dos quartéis. O chavismo firmou uma base numa milícia popular, enquanto a milícia bolsonarista é sobretudo eletrônica. As militâncias de Bolsonaro e do chavismo assemelham-se na hostilidade aos meios de comunicação, ao Congresso e ao Judiciário.

Bolsonaro repete que respeita a Constituição e nunca falou em referendos, enquanto Chávez atropelou as instituições durante seu primeiro mandato. Bolsonaro, como Chávez e Nicolás Maduro, produz uma crise por semana. A seu modo, tornou-se um excêntrico na comunidade internacional.

A grande diferença entre os dois países está nas suas economias. A brasileira é seis vezes maior que a venezuelana. Além disso, Pindorama tem empreendedores no andar de cima, enquanto a elite da Venezuela vivia nas tetas da riqueza do petróleo. A sociedade brasileira tem uma complexidade que a venezuelana nunca teve. Essas ressalvas valem pouco. Se o passado explicasse tudo, o nazismo teria surgido na Grécia, não na Alemanha, e Cuba nunca teria virado um país comunista.

Assim como Paris encheu-se de nobres russos nos anos 20 do século passado, Miami está cheia de cubanos e venezuelanos que não acreditavam que seus países virassem o que viraram. Eles não deram atenção ao que diziam pessoas como Giannotti, Rosenfield e Hasselmann.
Elio Gaspari

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