terça-feira, 30 de junho de 2020

Febeapá, crônicas que ironizavam a ditadura e que 'estão mais vivas que nunca'

O dia do jornalista carioca Sérgio Porto (1923-1968) começava cedo. Logo pela manhã, ele ia à Praia de Copacabana - bairro da Zona Sul do Rio onde nasceu, viveu e morreu -, levando as três filhas: Ângela, Solange e Gisela. Enquanto as meninas brincavam perto da água, o pai, sentado na areia, lia uma pilha de jornais e revistas. Com uma tesoura, ele recortava as notícias mais controversas do dia.

Foi assim que, em junho de 1966, Porto tomou conhecimento da estreia do espetáculo Electra no Theatro Municipal de São Paulo. Agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão de repressão do regime militar, foram mandados ao local para prender o autor da peça, acusado de subversão. Ao chegarem lá, descobriram que o sujeito, um tal de Sófocles, tinha morrido em 406 a.C.

A tentativa frustrada de prisão do subversivo dramaturgo grego é apenas uma das mais de 250 histórias que Stanislaw Ponte Preta, o 'alter-ego' de Sérgio Porto, publicou no extinto jornal Última Hora, de Samuel Wainer. Entre 1966 e 1968, essa e outras histórias foram reunidas em três volumes de uma antologia intitulada Festival de Besteira que Assola o País. Ou, simplesmente, Febeapá.

"As crônicas do Stanislaw ironizavam a onda conservadora da ditadura militar. Naqueles anos de censura e repressão, ele registrava as situações absurdas e as declarações estapafúrdias das autoridades", afirma Cláudia Thomé, doutora em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de O olhar crítico do cronismo do Febeapá contra a onda conservadora que levou ao AI-5 em 1968 (2018).

O festival de despautérios incluía de capitães a prefeitos, de generais a delegados. Em São Paulo (SP), agentes do Dops invadiram a casa da escritora Jurema Finamour e, entre outros objetos considerados suspeitos, apreenderam um aparelho de liquidificador. Em Belo Horizonte (MG), policiais davam voz de prisão a torcedores que insistissem em soltar mais de três palavrões por jogo de futebol.

Aliás, quase tudo era proibido na "Redentora" - apelido "carinhoso" dado por Stanislaw Ponte Preta ao golpe militar de 1964: de serenata, em Ouro Preto (MG), a vodca, em Brasília (DF), de namoro no jardim da praça, em Mariana (MG), a máscara em baile de carnaval, em São Luís (MA). No caso da vodca, a bebida destilada de origem russa foi proibida por um nobre "depufede" - neologismo criado pelo autor para designar "deputado federal" - para "combater o comunismo".

"O que será que o Stanislaw diria hoje da descoberta de que nossos livros didáticos 'têm muita coisa escrita' (em referência a frase dita pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro), da defesa da abstinência sexual (campanha promovida pela ministra Damares Alves) como política pública ou, então, da afirmação de que o 'índio está evoluindo e, cada vez mais, é um ser humano igual a nós' (frase também dita por Bolsonaro)?", indaga a professora Cláudia Thomé, da UFJF. "Imagine isso tudo aos olhos do Stanislaw Ponte Preta. Penso que nossas prateleiras seriam pequenas para tantos volumes novos do Febeapá".

Stanislaw não livrava a cara de ninguém. Nem mesmo de seus colegas jornalistas. Volta e meia, citava uma ou outra manchete, como "Todo fumante morre de câncer a não ser que outra doença o mate primeiro", do Correio do Ceará, de Fortaleza (CE), ou "É necessária muita cautela para revidarmos uma autocrítica", do Jornal da Cidade, de Gravatá (PE).

Antes de ganhar a vida como escritor, radialista e teatrólogo, entre outras profissões, Sérgio Marcos Rangel Porto trabalhou 23 anos no Banco do Brasil. Lá, conheceu e tornou-se amigo de outro Sérgio, o Jaguaribe - nome de batismo do cartunista Jaguar. "Sérgio não trabalhava menos que 15 horas por dia. A qualquer hora do dia ou da noite, quando ia visitá-lo em casa, lá estava ele batucando as teclas de sua Remington semiportátil. Numa dessas visitas, ao buscar os originais de um livro, soltou uma de suas muitas pérolas: 'Só levanto o olho da máquina para botar colírio'", diverte-se.

Porto ainda batia ponto como bancário quando, em 1947, aos 24 anos, começou a trabalhar como jornalista no Folha do Povo, de Aparício Torelly (1895-1971), o irreverente Barão de Itararé. Não parou mais. Ao longo da carreira, deu expediente em uma infinidade de jornais (Diário Carioca, Tribuna da Imprensa e Última Hora) e revistas (Manchete, Senhor e O Cruzeiro). Por dois anos, chegou a produzir duas crônicas diárias: uma para o Tribuna da Imprensa e outra para o Última Hora.

"À tarde, papai se recolhia em seu 'escritório', ou seja, a parte da sala dividida por uma estante de madeira. Ali, ficava até tarde na máquina de escrever, produzindo sua crônica diária para jornal. Aos de casa, era exigido fazer silêncio. Tinha o hábito de ouvir música e, enquanto trabalhava, tinha preferência por jazz. À noite, saía para entregar os textos no jornal, na rádio ou na TV, e íamos com ele, já de pijama no carro", relembra a historiadora Ângela Porto, uma das três filhas de Sérgio com Dirce Pimentel de Araújo, com quem ele se casou em 1952.

Como escritor, Sérgio Porto lançou dez livros: sete como Stanislaw e três como Sérgio. "Não considero o Stanislaw Ponte Preta um pseudônimo do Sérgio Porto e, sim, um heterônimo", explica Raquel Solange Pinto, doutora em Literaturas de Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e autora de Espaços da crônica: espetáculo e bastidores do Febeapá (2003).

"A personagem é construída com todo um histórico: tinha família, amigos e até data de nascimento: 22 de novembro de 1955".

A "família" a que Raquel se refere era formada, entre outros membros, pela Tia Zulmira, uma senhora muito culta e inteligente; o Primo Altamirando, um típico mau-caráter, corrupto e autoritário; e Rosamundo das Mercês, um sujeito distraído, mas tão distraído que nasceu de dez meses. No livro Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta (1998), o jornalista Renato Sérgio explica que a criação foi "coletiva". Participaram dela, além do próprio Porto, o ilustrador do jornal Diário Carioca, Tomás Santa Rosa, e o crítico musical Lúcio Rangel. Cada um deles sugeriu um nome tomando como referência o personagem-título de Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade (1890-1954).

Ao contrário do dramaturgo grego, Sérgio Porto nunca teve agentes do Dops batendo em sua porta. "Ele não chegou a sofrer censura e perseguição simplesmente porque morreu antes, em 30 de setembro de 1968", explica o jornalista Luís Pimentel, organizador de A Revista do Lalau (2008). "Foi a partir de 13 de dezembro de 1968, quando o AI-5 foi decretado, que as coisas pioraram".

Censura ou perseguição, Sérgio Porto pode até não ter sofrido. Mas, tentativa de envenenamento, sim. Em julho de 1968, ele estava apresentando o Show do Crioulo Doido no Teatro Ginástico, no Rio, quando, no camarim, sentiu um gosto amargo no café. Na mesma hora, vieram à lembrança as ameaças que estava recebendo em represália ao espetáculo.

"O show não tem nada demais, a não ser suas irreverências. E ninguém puxa irreverência e atira. É arma de humorista, não machuca tanto quanto cassetete na cabeça da Marília Pera ou pontapés na barriga de moça grávida, como fizeram lá em São Paulo", declarou em entrevista à revista Manchete, de 10 de agosto de 1968, referindo-se à invasão do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, em 18 de julho de 1968, quando integrantes de um grupo paramilitar chamado Comando de Caça aos Comunistas (CCC) agrediram o elenco da peça Roda Viva.

Já em casa, Porto tomou um comprimido para dormir, mas, em vez de cair no sono, passou 30 horas acordado. Foi levado para um hospital. "Sérgio concedeu várias entrevistas, associando esse possível atentado a outros cometidos contra espetáculos teatrais no Rio e em São Paulo", relata a historiadora Dislane Zerbinatti Moraes, doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e autora de O trem tá atrasado ou já passou: A sátira e as formas do cômico em Stanislaw Ponte Preta (2003). "Esse atentado nunca foi devidamente investigado ou comprovado, mas podemos deduzir que houve, sim, uma reação dos militares à obra do Stanislaw como um todo".

Sérgio Porto morreu em 1968, aos 45 anos, vítima de um terceiro infarto. Em 2005, o jornalista Clóvis Rossi (1943-2019) declarou, em uma de suas colunas, que "se vivo fosse, Stanislaw teria hoje material para uns 500 festivais por dia, tal o nível de besteiras que caracteriza a política brasileira".

"O Febeapá continua mais vivo que nunca", endossa o historiador Hélio Dias da Costa, autor de Stanislaw Ponte Preta e a desconstrução da imagem da ditadura: uma análise da representação satírica do Febeapá (2008). "Stanislaw continua vivo nos espetáculos de 'stand up comedy', nos canais interativos de humor e até nos colunistas de jornal, rádio e TV que atuam na desconstrução de mitos. Era um mestre na arte de aliar informação e humor, e oferecer denúncia sob a forma de gracejo", diz.

Quinze anos depois da declaração de Rossi, o ator e humorista Gregório Duvivier, apontado pelas filhas de Sérgio Porto como 'herdeiro literário' do pai, por fazer "uma crítica feroz da política e dos costumes", assina embaixo. "Sérgio Porto é um gigante. Foi com ele que entendi que humor político é redundância. Millôr Fernandes, que tive a sorte de conhecer, falava dele como de um irmão. Os dois, ao lado do Nelson Rodrigues, formam a santíssima trindade do humor brasileiro. Que sorte a nossa!".

Pensamento do Dia


O falso ministro da Educação

Se finalmente acertou na estratégia, procurando pacificar a área de ensino ao demitir Abraham Weintraub da chefia do Ministério da Educação (MEC) e propor a retomada de diálogo com os secretários municipais e estaduais de Educação para evitar o colapso de um setor estratégico da administração pública em tempos de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro errou na escolha de seu sucessor, Carlos Alberto Decotelli.

No mesmo dia em que foi anunciado por Bolsonaro como mestre, doutor e pós-doutor e de contar com experiência no setor por ter presidido o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), surgiram as primeiras suspeitas de que Decotelli teria maquiado seu currículo Lattes. O currículo Lattes é a plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico sobre a titulação acadêmica dos professores do País. As informações são autodeclaratórias e dispensam a apresentação de documentos.


A primeira suspeita foi de que Decotelli não teria o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, o que foi confirmado no dia seguinte pelo reitor da instituição, Franco Bartollacci. Reagindo à nota, Decotelli apressou-se em revisar o currículo Lattes. Tentando remediar a situação, ele afirmou que, apesar de ter obtido os créditos para apresentar a tese de doutorado, não o fez por não ter recursos para continuar residindo na Argentina. Segundo o reitor, porém, Decotelli não fez a defesa oral da tese porque ela seria reprovada pelos examinadores. Agravando ainda mais as suspeitas com relação ao seu currículo, a segunda acusação foi de que a dissertação que Decotelli apresentou no término de seu curso de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) seria um plágio. Submetida a um programa de informática elaborado para detectar plágio, verificou-se que trechos inteiros da dissertação são cópias - sem os devidos créditos - de relatórios de órgãos governamentais e de trabalhos acadêmicos, o que é tipificado como crime contra a propriedade intelectual pela legislação penal.

Além do plágio no mestrado e do falso doutorado, Decotelli incluiu no currículo Lattes a informação de que teria feito pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha. E, como já ocorrera na Universidade Nacional de Rosário, o reitor da Universidade Wuppertal contestou a informação, afirmando que Decotelli passou três meses na Alemanha como pesquisador e que não adquiriu título algum nesse período. Na área administrativa, Decottelli também foi apontado como um dos responsáveis por um estranho edital de licitação publicado em 2019 pelo FNDE, para a compra de 1,3 milhão de laptops e notebooks para a rede pública de ensino. Ao examinar o edital a Controladoria-Geral da União descobriu que 350 colégios receberiam mais de um laptop por aluno e que a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, seria agraciada com 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Decotelli deixou o cargo e o edital foi anulado.

Quando Bolsonaro anunciou Decotelli para o MEC, sua nomeação despertou a esperança de que finalmente o governo poderia definir com os Estados e municípios uma política comum para assegurar o futuro dos estudantes brasileiros, comprometido pelo avanço da covid-19. Cinco dias após sua indicação, porém, fica evidente que ele está longe de ser a pessoa certa para o cargo. Como pode transmitir algo construtivo quem não tem credibilidade nem autoridade moral? Como pode ser levado a sério um ministro da Educação que falsifica currículo?

Além de informação especializada transmitida com rigor metodológico, educação pressupõe formação moral e intelectual - e isso implica caráter, preparo para cidadania e integridade. Entregar a quem não tem essas virtudes a responsabilidade para conduzir a formação das novas gerações não é apenas um erro político que pode ser tolerado em nome da pacificação na gestão do sistema educacional brasileiro. Acima de tudo, é um crime contra as novas gerações.

Cobrança do Eça

Pilriteiros que dás pilritos
por que não dás tu coisa boa?
Cada um dá o que pode
conforme a sua pessoa!

Eça de Queirós

Trégua fake

Pregação coletiva pelo entendimento, agrados aos presidentes da Câmara, do Senado e do STF, homenagem às vítimas da Covid-19. Jair Bolsonaro parece ter sido inoculado pelo vírus do bem, capaz de fazê-lo humano diante da pandemia, afastando-o da paranoia de só enxergar inimigos por todos os lados. Mas como sua personalidade é conflituosa por natureza, a prudência recomenda esperar para ver até onde a calmaria vai.

A repentina conversão de bílis em mel tem sido atribuída aos militares que orbitam no entorno de Bolsonaro. Esse grupo teria sido decisivo nos acenos aos STF e no convencimento do presidente para que ele indicasse um nome técnico para o Ministério da Educação.


Bolsonaro também estaria menos temeroso depois do sucesso das negociações com deputados do Centrão. Aqui, além de trair os ditos de campanha, quando enxovalhava a “velha política” assentada na troca de cargos para garantir governabilidade, Bolsonaro fez pior: abriu a porteira apenas para derrubar um eventual processo de impeachment. Mesmo sendo uma turma sabidamente volátil, o presidente acredita ter ganhado fôlego – e sobrevivência.

Outros creem que os gestos de paz são fruto de um governante solitário e acuado em várias frentes. Em especial pela prisão do ex-companheiro e faz-tudo Fabrício Queiroz e pela carga explosiva da fala destrambelhada de Frederick Wassef, que até o último domingo defendia o primogênito Flávio no escândalo das “rachadinhas”, e o papai dele no caso Adélio Bispo.

Bolsonaro teria esticado a corda por demais e agora, diante do cerco a ele e aos seus, o recuo era a única saída. O armistício, portanto, seria tático.

Sob o título “Bolsonarinho paz e amor”, em abril do ano passado chamei atenção aqui neste espaço para uma metamorfose do presidente que, depois de tomar bordoadas do Parlamento e até perder o PSL, partido pelo qual se elegeu, passou a distribuir sorrisos e abraços. Em um café da manhã com jornalistas, contou piadas, pediu desculpas por arroubos, foi até divertido.

“Não há como maldizer uma conversão para melhores modos, especialmente se eles podem pacificar ânimos, destravar o governo e fazer o país andar”, escrevi. “O problema é acreditar em mudança de humor tão repentina e radical”, dúvida que continua a se impor.

A versão adocicada durou pouquíssimo à época. Coincidência ou não, o filho 02, Carlos, criara um quiprocó gigantesco com a comunicação oficial do governo, o que desembocou na derrocada do general Carlos Alberto Santos Cruz.

Há um ano ou agora, o fato é que nada no ânimo do presidente está relacionado com a governança do país que o elegeu.

Desafiando a pandemia, doentes, familiares de mortos, profissionais de saúde e todos que fazem o possível para manter o isolamento social, Bolsonaro adora se exibir em abraços. Faz visitas sorridentes em comércios das cidades periféricas de Brasília, participa de manifestações contra o STF e o Congresso, de inaugurações lotadas. Ameaça comemorar seu aniversário com um churrascão, se diverte de motocicleta aquática e no asfalto, pratica tiro esportivo em horário de trabalho. Faz piada com o sofrimento dos outros.

E vira fera se algo parece chegar perto dele e dos seus, como se viu na fatídica reunião de abril – “eu não vou esperar f... minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus...” -, uma das provas arroladas no processo que investiga a interferência confessa que fez na Polícia Federal em benefício próprio.

As variações repentinas de humor, para o bem ou para o mal, costumam ocorrer quando ele se sente ameaçado ou vê os filhotes em apuros, ou quando ele ou alguém da sua prole obtém algum sucesso.

Agora, regozija-se pela vitória apertada do filho Flávio na 3ª Câmara Criminal do Tribunal Justiça do Rio, por 2 x 1. Respira. Mas algumas provas de fogo estão logo à frente: o depoimento no processo sobre a interferência na PF, o inquérito das fake news que corre no STF. E a provável revisão do privilégio de foro do filho no caso das “rachadinhas” pelo pleno do TJ-RJ e até por instâncias superiores.

Ao primeiro revés Bolsonaro voltará a espumar.

O que se vê hoje são elogios a uma trégua tão falsa quanto os milagres da cloroquina.
Mary Zaidan

Prioridade aos ruminantes

O pandemônio na pandemia avançou: o governo Jair Bolsonaro decidiu dar prioridade aos ruminantes. 

Na última quinta-feira, enquanto o país contava 55 mil humanos mortos pela da doença e por deficiências na rede hospitalar, o ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), do Turismo, resolveu investir na “revitalização” do Bodódromo de Petrolina (PE), onde ruminantes de chifres ocos podem ser degustados a céu aberto, em geral assados. 

Pernambuco é dos estados mais afetados pelo vírus, com mais de 4,5 mil mortos. O governo, porém, achou mais urgente investir R$ 32 milhões em obras turísticas no reduto eleitoral dos herdeiros de Clementino de Souza Coelho (1885-1952), o “coronel” Quelê, construtor de um império político regional no início do século passado.


O prefeito beneficiário, Miguel de Souza Leão Coelho, é candidato à reeleição pelo MDB. Seu pai, Fernando Bezerra Coelho, é o atual chefe do clã. Foi prefeito três vezes, ministro de Dilma (Integração) e está sob investigação no Supremo por suspeita de corrupção (R$ 41 milhões) em contratos da Refinaria Abreu e Lima. Bolsonaro o escolheu como líder da sua “nova política” no Senado. 

Em plena pandemia, o governo separou R$ 5 bilhões para o Ministério do Turismo. No início de maio, Bolsonaro editou uma Medida Provisória (nº 963) atribuindo urgência e relevância a esse crédito extraordinário, com a justificativa de emergência por causa da Covid-19. 

É caso único de governo que confere às obras turísticas importância e urgência para enfrentar o novo coronavírus. O problema é que não há turismo. As pessoas não saem de casa porque temem a morte nas filas de hospitais públicos onde falta quase tudo, de respiradores a analgésicos. E 76% das empresas do setor estão fechando as portas, segundo o Sebrae, porque não têm acesso ao crédito prometido pelo governo.

 Bolsonaro e o ministro do Turismo perceberam no vírus uma oportunidade para ajutório aos aliados nas eleições municipais. Prioridade aos ruminantes é o novo símbolo do pandemônio governamental na pandemia. 
José Casado

Dados indicam crescimento do neonazismo no Brasil

Grupos extremistas que propagam discursos de ódio contra minorias, embasados por argumentos nazistas e fascistas, estão aumentando no Brasil. Pesquisadora há 18 anos sobre movimentos do tipo, a antropóloga Adriana Dias, doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou um crescimento tanto no número de células neonazistas quanto no engajamento de seus integrantes nos últimos seis meses.

No fim do ano, segundo ela, estavam em atividade 334 grupos no país. Em junho, são 349. Mas o que mais aumentou não foi a quantidade de células, e sim o número de membros de cada grupo. Se há seis meses os engajados nesses grupos não passavam de 5 mil no Brasil, agora já são cerca de 7 mil.

Dias monitora periodicamente o cenário por meio de rastreamento das atividades desses grupos pela internet. "É como se uma parte do país tivesse perdido completamente o contato com a civilização", comenta ela, em conversa com a DW Brasil.

Sua pesquisa vai ao encontro de um levantamento da organização não governamental SaferNet Brasil, entidade brasileira que promove e defende os direitos humanos na internet.

Dados levantados com exclusividade para a DW Brasil mostram que este mês de junho de 2020 foi o período em que a ONG mais recebeu denúncias de neonazismo desde o início da série histórica, em janeiro de 2006. Foram 3.616 denúncias recebidas pela SaferNet sobre o assunto, referentes a 1.614 páginas diferentes, segundo números consolidados no dia 28 de junho.

Em junho de 2019, foram 31 denúncias, referentes a 25 páginas. O aumento, portanto, é de 11.564%. E a curva é ascendente. Em abril, foram 307 denúncias, referentes a 109 páginas; em abril de 2019, 87 denúncias e 46 páginas. Em maio deste ano, foram 498 denúncias e 204 páginas, frente a 53 denúncias e 42 páginas do mesmo mês do ano passado.

De acordo com a administração da ONG, depois de recebidas as denúncias, são coletadas evidências da materialidade dos crimes e disponibilizadas para análise e investigação do Ministério Público Federal, com quem a organização possui convênio.

Nazismo é crime no Brasil. O artigo 20 da lei 7.716/1989 ressalta que "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo", é passível de "reclusão de dois a cinco anos e multa". O material deve ser recolhido imediatamente, e as mensagens ou páginas respectivas na internet devem ser retiradas do ar.

Conforme ressalta o advogado Rodolfo Tamahana, coordenador de pesquisa e professor da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, o Brasil é signatário de dois acordos internacionais contra discriminações a minorias: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1968 – integrada ao ordenamento jurídico brasileiro –; e a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, de 1992.

"Pessoas que participem ou não de grupos nazistas podem responder por crime caso fabriquem, comercializem, distribuam ou veiculem quaisquer símbolos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, com a finalidade de divulgar o nazismo. Nesse caso, para configurar o referido crime é necessária a intenção específica de divulgar o nazismo, não sendo suficiente, por exemplo, apenas a publicação da cruz suástica em um perfil pessoal do Facebook, de acordo com alguns julgados que encontramos", explica o professor.

"Falta penalização rígida nesse sentido", avalia o advogado criminalista José Beraldo, que atua na área desde 1981. Ele afirma que o atual cenário não favorece a "diminuição" dos casos.

Especialistas associam gestos do governo Jair Bolsonaro como gatilhos para essa onda neonazista. Além da política armamentista, atos recentes são associados ao movimento. Em janeiro, o então secretário de Cultura Roberto Alvim divulgou discurso parafraseando Joseph Goebbels (1897-1945), ministro da Propaganda da Alemanha nazista, com o compositor favorito de Adolf Hitler (1889-1945), Richard Wagner (1813-1883), ao fundo.

Ainda ministro da Educação, Abraham Weintraub declarou em reunião ministerial ocorrida em 22 de abril que odeia os termos "povos indígenas" e "povo cigano".

No início de maio, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou um post em redes sociais com frase que lembra slogan nazista. "Parte da imprensa insiste em virar as costas aos fatos, ao Brasil e aos brasileiros. Mas o governo, por determinação de seu chefe, seguirá trabalhando para salvar vidas e preservar o emprego e a dignidade dos brasileiros. O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil", publicou o órgão, sobre a pandemia de covid-19. "O trabalho liberta" é a frase que os nazistas afixavam nas entradas dos campos de concentração.

Bolsonaro também compartilhou em seu Facebook um vídeo com a citação "melhor um dia como leão do que cem anos como ovelha", atribuída ao líder fascista Benito Mussolini (1883-1945).

Em live transmitida em 29 de maio, o presidente tomou um copo de leite. Ele argumentou que se travava de uma homenagem aos produtores rurais. Mas o gesto é visto como de conotação extremista, já que é adotado por supremacistas brancos.

"O aumento da atividade de células neonazistas no Brasil está diretamente associado à retórica violenta e discriminatória do governo Bolsonaro, que, ao sistematicamente estigmatizar grupos vulneráveis, acaba por legitimar e empoderar pautas do movimento neonazista, como a eugenia e a segregação de pessoas negras, LGBTs e estrangeiros não europeus", afirma, em nota, a organização SaferNet Brasil.

O ativista Agripino Magalhães, da ONG Aliança LGBT+, conta que os ataques em relação a esse grupo, monitorados por ele, aumentaram 90% no último semestre. Ele próprio diz que tem sido ameaçado constantemente, pela internet e por telefone, pelo seu ativismo. "E não somos só nós as vítimas. Eles incitam o ódio aos negros, às mulheres e a outras minorias", afirma.

De acordo com o mapeamento de Adriana Dias, o estado de São Paulo segue sendo a unidade da federação com maior atividade neonazista: são 102 células na localidade, três a mais do que no fim do ano passado.

Segundo dados enviados à reportagem pela Secretaria de Segurança Pública do estado, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) registrou 57 boletins de ocorrência e instaurou 31 inquéritos para apurar ocorrências de intolerância na capital paulista, de janeiro a abril deste ano.

Em segundo lugar no levantamento da antropóloga, o Paraná ultrapassou Santa Catarina no último semestre – são 74 grupos paranaenses em atividade, frente a 69 catarinenses.

Foi um crescimento grande no estado, que há seis meses tinha 66 células extremistas. "Isso é preocupante", avalia Dias. De acordo com a pesquisadora, o perfil dos novatos paranaenses é basicamente formado por gente ligada ao meio rural e a igrejas evangélicas fundamentalistas.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Brasil do 'Cavalão'


Renda inclusiva

A crise social e econômica pela Covid-19 criou unanimidade na defesa da Renda Básica da Cidadania Universal. Este apoio à generosidade de uma renda para os pobres é natural, mas é incorreto passar a ideia de que ela promove inclusão social. Deve-se apoiar a ideia da renda mínima, alertando para o fato de que se trata de um gesto sem consequência emancipadora da pobreza real. Uma ferramenta positiva para reduzir a penúria, sem superar a realidade da pobreza.

Quando a ideia da Bolsa Escola foi divulgada, em 1987, no livro “A revolução nas prioridades”, seu nome era Renda Mínima Vinculada à Educação. Reconhecia o papel inspirador de Eduardo Suplicy, mas explicitava a diferença estratégica com a Renda Mínima. A adoção posterior do nome Bolsa Escola teve como propósito deixar claro que no lugar da renda era a educação que faria a inclusão, a bolsa era um salário à mãe para que seus filhos não faltassem às aulas.

A Renda Mínima parte do conceito de que a pobreza pode ser atendida pelo aporte de dinheiro à família para ela comprar o que precisa no mercado. Distribui uma pequena renda, sem distribuir patrimônio. A Renda Vinculada parte do conceito de que a pobreza decorre da falta de acesso a uma cesta essencial, composta por, no mínimo: comida; endereço com água potável, coleta de lixo e esgoto; educação de base com qualidade; atendimento ambulatorial e hospitalar; transporte público.

Parte da cesta essencial exige renda e compra no mercado, parte exige acesso a bens e serviços públicos. A Renda Vinculada à Inclusão funciona como um incentivo monetário que assegura renda para o beneficiário pagar pela comida e transporte público, e induz seu trabalho na produção de serviços de que sua família precisa para completar a cesta essencial: educação, saneamento, moradia. Além disso, diferentemente da distribuição mínima de renda, distribui também o patrimônio produzido.

A Bolsa Escola é um exemplo. Transfere renda para enfrentar as necessidades imediatas, mas, ao exigir que as crianças frequentem a escola até o final do ensino médio, promove a inclusão social. A bolsa atende à possibilidade de sobrevivência, a escola induz a sair da pobreza. O mesmo conceito se aplica aos outros incentivos sociais que atuam como rendas emancipadoras, tais como: pagamento condicionado a melhorar a própria moradia do beneficiado; renda vinculada à plantação de árvores no bairro, à construção ou cuidado de parques infantis, pintura de escolas; bolsa para analfabetos aprenderem a ler; renda para jovens fazerem serviço militar-civil ou para obterem um ofício; um salário para pessoas se submeterem a treinamento e depois cuidarem de crianças sem vaga em creche; emprego em obras de saneamento; pagamento de renda para promover desmigração de quem desejar sair de grandes cidades e voltar à sua cidade de origem.

O beneficiado que recebe uma renda mínima sem vinculação necessita ser rentista para sempre, sem sair da pobreza; aquele que recebe uma renda inclusiva, com vinculação, ao final de um prazo, tem o patrimônio que ele produziu: a casa ampliada, rebocada, pintada, com saneamento; os velhos alfabetizados e os filhos educados. A renda atende às necessidades imediatas, seu condicionamento promove a ascensão social, graças ao que será produzido.

O custo financeiro de um programa de Renda Inclusiva pela Vinculação seria o mesmo de um programa de Renda Básica da Cidadania; requer, entretanto, esforço gerencial do Estado na sua execução. Por isso, a simplicidade da ideia da renda mínima sem condicionamento sensibiliza os defensores da estratégia do “neoliberalismo social”, com o Estado mínimo, limitado a uma rede de agências bancárias, como está sendo feito com o Auxílio Emergencial.
Cristovam Buarque

Praça

Um momento perturbador:
o passarinho bebe água
na mão da estátua do ditador.

Raul Drewnick

Lições de uma tragédia

O Brasil ultrapassou a desoladora marca dos 56 mil mortos por covid-19. Em todas as regiões do País, choram dezenas de milhares de pais, mães, filhos, avôs, avós, netos e amigos que perderam gente amada e nem sequer puderam confortar uns aos outros com um simples abraço.

A subtração repentina dos ritos funerários, fundamentais para a construção de um sentido para a morte, é uma faceta particularmente cruel dessa doença, tanto mais perversa porque a esmagadora maioria das vítimas passou suas últimas horas de vida sem o acalento de seus familiares.

Por empatia ou compaixão, milhões de brasileiros que tiveram a sorte de não perder um ente querido para o novo coronavírus tampouco vivem dias de paz. A maior tragédia nacional em mais de um século fez do luto uma experiência coletiva e impessoal. Hoje, o Brasil é um país triste.


Mas, por mais severas que sejam, quase todas as perdas ocasionadas pela pandemia poderão ser superadas mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor grau de dificuldade. As eventuais transformações da sociedade na direção do que se convencionou chamar de “novo normal”, que tanto tem ocupado filósofos, psicólogos, sociólogos e economistas no momento, serão assimiladas no tempo adequado para cada indivíduo.

Empresas quebradas poderão, eventualmente, ser reerguidas. Outras tantas serão criadas pelas necessidades impostas por um evento dessa magnitude. Em breve, aviões voltarão a riscar os céus no mundo inteiro. Empregos serão recuperados. Aulas serão retomadas. O comércio já está em franco processo de reabertura, em que pese a impertinência, para dizer o mínimo, de uma medida como essa no atual estágio da pandemia no País.

Mas nada haverá de apagar da memória nacional o fato de que, em apenas três meses de 2020, mais de 56 mil brasileiros morreram em decorrência da covid-19, centenas deles profissionais da área de saúde que atuavam na linha de frente do combate a essa nova e perigosa ameaça sanitária com a bravura e dedicação que os distinguem. De uma hora para outra, mais de 55 mil histórias de vida se tornaram impossibilidades antes que fosse possível assimilar em toda a sua inteireza o que uma tragédia como essa representará para o País no futuro.

Para quem sofre a dor da perda de um familiar, não há diferença essencial entre uma morte e mais de 50 mil. No entanto, o triste marco haverá de nos servir, aumentando a coesão da Nação, caso tiremos as lições corretas dessa tragédia e as transformemos em ação política concreta. Do contrário, restarão apenas o assombro, a dor e a indignação.

A sociedade deve aumentar significativamente o grau de exigência na escolha de seus governantes. Há bons e maus exemplos de políticas públicas adotadas pelas três esferas de governo durante a pandemia, mas houve aqueles que se revelaram líderes indignos da designação, aquém da altura de suas responsabilidades na condução de seus governados nesta hora grave, a começar pelo presidente da República. Jair Bolsonaro entrará para a história como o presidente que desdenhou da gravidade da pandemia, fez pouco-caso das aflições dos brasileiros e apequenou o Ministério da Saúde no curso de uma emergência sanitária.

É certo que a pandemia atingiu todos os brasileiros, mas uns foram muito mais afetados do que outros. Passa da hora de a Nação olhar para seus milhões de desvalidos e lutar para reduzir a brutal concentração de renda que há séculos obsta o desenvolvimento humano no País.

Por fim, mas não menos importante, é preciso cuidar melhor do Sistema Único de Saúde (SUS). Não fosse o SUS, o País estaria pranteando não 56 mil, mas um número incalculável de mortos. O SUS é um avanço civilizatório que tirou a saúde da lógica de mercado ou do mero assistencialismo e a alçou à categoria de direito universal. A pandemia só evidenciou sua importância, como se isto fosse necessário, e a necessidade de mais investimentos.

A melhor forma de honrar a memória dos mais de 50 mil mortos em decorrência da covid-19 é transformar o Brasil em um país menos desigual e mais fraterno. Em suma, um lugar melhor para viver.

Como o vírus, Bolsonaro também passará

Até quando os generais que cercam Jair Bolsonaro conseguirão impedir que ele detone novas crises como vinha fazendo com regularidade ao longo dos últimos meses? E até quando o ex-capitão, expulso do Exército por planejar atentados a bomba em quarteis, manterá sob controle seus instintos mais primitivos?

Não deve estar sendo fácil para ninguém – nem para os militares que transformaram o Palácio do Planalto num puxadinho do Quartel-General do Exército a pouca distância, nem para um presidente que já proclamou muitas vezes que é ele quem manda. Um dia desses, chegou a dizer que a Constituição era ele.

Sem saber, uma vez que é reconhecidamente ignorante e não gosta de livros porque eles contém “muitas letrinhas”, Bolsonaro lembrou Luiz XIV, Rei da França e de Navarra entre 1638-1715, a quem se atribui a frase famosa: “O Estado sou eu”. Luiz XIV governou 72 anos. Luiz XVI foi deposto e guilhotinado em Paris.


Os porta-vozes informais de Bolsonaro sugerem que ele amadureceu e está disposto a cumprir a Constituição tal como disse que o faria ao se eleger e ao tomar posse. Só não explicam porque ele a afrontou toda vez que pode. Negam que a mudança de comportamento se deva apenas à conjuntura difícil que enfrenta.

Devagar com o andor. A conjuntura é que impõe limites a Bolsonaro, e a pressão redobrada que os militares voltaram a exercer sobre ele. Descarte-se a ameaça que teriam feito de abandoná-lo porque seu verdadeiro propósito é mantê-lo onde está até o fim do mandato e, se possível, por mais quatro anos.

Na verdade, a conjunção de más notícias foi que levou Bolsonaro nas últimas semanas a tentar parecer o que não é. Ouviu o tropel da cavalaria – o cerco judicial a ele e aos filhos, o eclipse do plano de reformas do ministro da Economia, a prisão de Queiroz e o peso da tragédia do Covid-19 que se recusou a enxergar.

E então se acautelou porque outra saída, por ora, não tem. Se será capaz de resistir à tentação de atravessar a rua para pisar em uma casca de banana, não se sabe. Contraria sua natureza não fazê-lo. Se mais adiante, caso se sinta forte, se conservará mesmo assim cauteloso, é porque teria finalmente aprendido alguma coisa.

Não há porque lhe conceder crédito de confiança desde já. O estrago que causou ao país até aqui ficará para sempre registrado na lápide dos que morreram por sua incúria e na memória dos que sobreviveram. A buscar-se algum conforto, só a certeza de que, como o vírus, ele também passará. Quanto mais cedo, melhor.

Só tiranos e maus políticos gostam que lhes ergam estátuas

Três dos meus amigos perderam os pais em 1977, em Angola, fuzilados na sequência de uma nunca provada tentativa de golpe de Estado contra o então presidente da República, António Agostinho Neto. Num discurso famoso, Neto disse que não iria perder tempo com julgamentos, incitando ao assassinato de todos aqueles que contestassem a sua liderança. Perto de 50 mil pessoas foram presas, torturadas e mortas durante esse período de desvairado ódio institucional. 

Há poucos dias, o jornalista angolano William Tonet provocou acesa polêmica no país ao sugerir que as estátuas de Agostinho Neto deveriam ter o mesmo destino das dos escravocratas e racistas americanos. 

Não me parece difícil compreender a revolta das pessoas cujos parentes e amigos foram executados às ordens de Agostinho Neto. As estátuas representando o primeiro presidente angolano constituem para essas pessoas uma afronta permanente. Não adiantaria muito colocar uma placa junto às referidas estátuas explicando que Agostinho Neto foi um grande patriota angolano, sim, mas também um déspota terrível. Seria como apresentar alguém dizendo: “Senhoras e senhores, peço o vosso aplauso para este assassino adorável e maravilhoso.”



Da mesma forma que compreendo os argumentos de William Tonet, não posso deixar de concordar com os jovens iconoclastas americanos. Uma estátua de um homem que enriqueceu comprando e vendendo pessoas, ou que se notabilizou defendendo a natureza inferior deste ou daquele grupo populacional, ofende não apenas os descendentes dessas pessoas, mas toda a Humanidade. Tais estátuas nunca deveriam ter sido erguidas. Isso só aconteceu porque naquela época o pensamento dominante aprovava ou tolerava ideias que hoje, felizmente, nos parecem moralmente repugnantes. A partir do momento em que a Humanidade ascendeu, revoltando-se contra tais ideias, o elogio público às mesmas deveria ter sido retirado.

Sem surpresa, a ânsia de cortar cabeças de pedra ou de bronze tem provocado vítimas inocentes. Em Lisboa, uma estátua que pretende homenagear o padre Antônio Vieira foi pichada com tinta vermelha. Em Coimbra, um busto de Baden-Powell, não o músico, mas o fundador do escotismo, perdeu a cabeça. Em Paris, atacaram uma imagem de Voltaire. 

Conhecendo a obra de Antônio Vieira — um padre português, de origem africana, que dedicou a vida à defesa das populações indígenas do Brasil —, suponho que caso lhe dessem oportunidade, ele mesmo decapitaria aquela sua estátua, e outras que eventualmente existam pelo mundo. A melhor homenagem que se poderia prestar a Antônio Vieira seria criar uma fundação com o seu nome, dedicada a defender os primeiros habitantes do Brasil. A Voltaire, como a qualquer outro escritor, não existe melhor homenagem que ler e divulgar a sua obra.

Suspeito que só os tiranos e os maus políticos gostam que lhes ergam estátuas. E, excetuando os pombos, não vejo quem possa, com argumentos sólidos e convincentes, defender as estátuas de tiranos e maus políticos. 

Imagem (de todo) Dia


A morte e a morte da democracia

É preciso retomar o tema da democracia ameaçada. A prisão de Fabrício Queiroz conteve o avanço da extrema direita. Muitos interpretam o perigo de golpe apenas como um blefe de Bolsonaro, um delírio que agora se dissolve.

São pessoas sensatas que me perguntaram quando soei o alarme se eu não estava exagerando.

De uma certa forma, abordei este tema num artigo de fim de semana. Lembrei a tensão nas democracias europeias dos anos 30 e as pequenas pausas que surgiam entre elas. Muitos as interpretavam como o fim dos problemas, um novo período de paz.

Não tenho nenhuma intenção de comparar a extrema direita brasileira com a Alemanha nazista. Isto serviria apenas para reforçar a ideia de que exagero. Minha preocupação é apenas analisar a pausa. Ela pode ser aproveitada para se avançar na defesa da democracia ou pode ser considerada como o fim de um período de hostilidades.

Muitos imaginam o golpe de estado clássico: tanques saindo dos quartéis e ocupando pontos estratégicos, Congresso e STF fechados. É uma espécie de tiro no coração da democracia. Acontece que, nos últimos anos, cresce o consenso de que a democracia é comida pelas beiradas, como um vírus que invade, gradativamente, seu pulmão até que pare de respirar.

Essa lenta e sistemática derrubada da democracia brasileira está em curso. Não há tanques na rua, nem censores dentro dos jornais. 

Mas a informação de qualidade está sob intenso fogo. O IBGE teve contestado seus dados sobre desemprego; a Fiocruz, invalidada uma pesquisa sobre consumo de drogas; o Inpe, decapitado por seus informes sobre o desmatamento na Amazônia. O próprio Bolsonaro tentou, mas não conseguiu, suspender a Lei de Acesso à Informação.

É como se as luzes de um edifício fossem sendo apagadas gradativamente. Na Fundação Palmares já não é possível contestar o racismo. O governo já não defende a diversidade cultural. Somos todos filhos de um mesmo Deus. Nas palavras do Weintraub: “Odeio a expressão povos indígenas.”

Três mil militares ocuparam a administração civil. No Ministério da Saúde desalojaram técnicos num momento em que se luta, e se perde, contra uma pandemia que já levou mais de 50 mil vidas. As armas são vendidas em maior escala, na medida em que cai o controle do Exército.

Na preservação ambiental, as luzes já se apagaram há muito. Na escuridão, crescem o desmatamento, o garimpo ilegal, a grilagem. Não se respeitam as leis, e os funcionários que tentam aplicá-las são demitidos.

O avanço de um golpe clássico foi contido pelo STF. Mas ele foi propagado em faixas que pediam intervenção militar com Bolsonaro na Presidência. Frequentaram essas manifestações, além do presidente, generais no governo e o ministro da Defesa.

Foi preciso prender extremistas e investigar as contas de deputados que financiam as manifestações. O Congresso não se manifesta. Está escondido atrás das togas dos ministros, esperando que canalizem sozinhos a agressividade digital bolsonarista.

Um Congresso que tem medo de tuítes sairia correndo ao ver o primeiro fuzil. Mas é preciso contar com ele.

Felizmente, a sociedade começou a acordar. Manifestos surgiram em vários setores. Esboços de frentes vão se formando aqui e ali. Há sempre quem se ache o rei da cocada e não aceita certos parceiros. Mas o rumo geral é de união.

Apesar da pandemia, surgiram as primeiras manifestações de rua. De um modo geral, pacíficas, um ou outro choque com a polícia, uma solitária faixa pedindo ditadura do proletariado, rompendo o tom.

Seria importante interpretar a pausa apenas como um tempo que se ganha para se organizar, não relaxar, achando que as coisas se resolvem sem nossa intervenção. Uma semana depois da prisão de Queiroz, o TJ do Rio já concedeu foro especial a Flávio Bolsonaro e pode anular não só a prisão, como trazer o processo à estaca zero.

Daqui a pouco, volta toda a onda agressiva e vamos nos perguntar o que fizemos na pausa. As democracias europeias vacilaram inúmeras vezes, mas acabaram vencendo no final. Mas os analistas sempre se perguntam se a vitória não poderia ter vindo mais cedo, poupado mais vidas.

Mesmo em dimensões desarmadas, o preço da vitória depende da maneira como interpretamos as relativas calmarias, se alimentamos ilusões conciliatórias ou compreendemos que, cedo ou tarde, a batalha se dará.

Realidade contra autoritarismo

Os movimentos e regimes antidemocráticos, autoritários, revisionistas e racistas têm sido bem-sucedidos nos EUA e no Brasil. Eu, no entanto, ainda acho que esses movimentos e regimes eventualmente irão se esfacelar, principalmente porque fanáticos e populistas negam a realidade. Os primeiros, porque acreditam apenas no que soa bem e pode ser útil para manipular as pessoas. Os outros, porque acreditam apenas em seus dogmas. Você pode ver isso com Trump e Bolsonaro neste momento: são completamente inaptos e inúteis quando confrontados com uma realidade — a Covid-19 — que não se encaixa em sua narrativa populista e não pode ser manipulada. 
Carolin Emcke, referência global no combate à extrema direita, autora de "Contra o Ódio"

O futuro que nos escapa

Não é só pela pandemia, pela ameaça de uma segunda onda do vírus ou pelas indicações de que ninguém fica imunizado contra ele por muito tempo. Também não é só porque a OMS advertiu que a pandemia continua em expansão, com efeitos que serão sentidos por décadas. É por tudo isso, mas também porque estamos perdendo a ideia de futuro.

Ninguém sabe com certeza como será a retomada. Fala-se em “novo normal” como um esforço para afirmar que as coisas encontrarão um eixo, um padrão regular. É um reflexo automático daquela necessidade primal que temos de segurança, ordem, estabilidade, rotina.

A verdade é que o futuro está coberto por trevas obscurantistas e promessas de regressão. É como uma paisagem na neblina. Sabemos que há algo lá e que lá chegaremos, mas não conseguimos deslindar a imagem por inteiro. O futuro escapa-nos por entre os dedos. Não temos mais uma ideia de “progresso”, que moveu a modernidade e o capitalismo desde que se projetaram na História. Mas intuímos que não voltaremos a viver como nossos pais, mesmo que conservemos muito do seu legado de hábitos e valores. Estamos meio que a esmo, perplexos.


O arranjo socioeconômico, institucional, cultural é outro. A começar da família, que modelou até hoje a sociedade. Nossos filhos adotam novos formatos de vida familiar, de casamento, vivem juntos de maneira distinta, são felizes ou infelizes de um modo todo deles.

A mesma coisa na economia. Damos como óbvio que todos querem empregos estáveis, longas carreiras em empresas sólidas, rotinas estabelecidas, carteira assinada. Seria a receita contra a “precarização”, um remédio para valorizar o trabalho e os trabalhadores. Não sabemos se é isso mesmo que as pessoas querem. Talvez não seja a expressão do desejável para as novas gerações, mais chegadas ao improviso, à excitação do movimento, da velocidade. Também ignoramos se tal cenário é factível num mundo de tecnologias onipresentes e mudanças aceleradas. E as empresas, por sua vez, têm dificuldades para se reposicionar no mercado e reformular plantas e procedimentos.

Dá-se algo parecido na política. É quase impossível admitir que os partidos voltarão a ser o que foram no século 20, estruturas burocráticas, pesadas, focadas na conquista e no controle do poder, com dirigentes que se eternizam no cargo. A democracia está posta como valor, inquestionável para a maior parte dos humanos. Mas os sistemas democráticos estão em crise, são chantageados e corrompidos por líderes e movimentos fundamentalistas, que se querem “patrióticos”, mas minam sistematicamente as bases da Nação e do Estado.

A vida mudou, arrastando consigo as imagens que tínhamos do futuro. Diante de nós se abrem uma interrogação, muitas distopias e nenhuma utopia.

Foi-se o tempo em que o escritor suíço Stefan Zweig podia se encantar com o “país do futuro”, que ele via com uma generosa pitada de ufanismo, como uma comunidade que sabia harmonizar seus contrastes. Zweig viveu no Brasil entre 1940 e 1942, auge do Estado Novo e do hitlerismo, que avançava na Europa. Suicidou-se em Petrópolis.

De lá para cá, houve grandes transformações. Aprendemos muito, o País transfigurou-se de cima a baixo. Mas não temos motivos para nos ufanarmos. Continuamos a carregar o fardo da desigualdade. Nossa produtividade estagnou, junto com a educação. O Brasil está cheio de carências e buracos. Metade da população não dispõe de água encanada e saneamento básico. Hoje não temos governo e a boçalidade se instalou em diversos setores da vida nacional.

O futuro está oculto. Em parte porque pouco sabemos sobre ele e tememos o que imaginamos a seu respeito. E em parte porque o futuro, ele próprio, se oculta de nossos olhos, desarrumado pela realidade. Há um enorme volume de conhecimentos, mas não sabemos, com nossas ciências especializadas, como organizá-los de modo a capturar o fluxo, o processo. Precisamos de uma abordagem que ultrapasse as visões parceladas, “religue-as” (Morin) e apreenda o que está conectado, o todo.

O futuro, a rigor, já está aí, incorporado à vida cotidiana sem que percebamos. Não há por que fazer previsões proféticas. “A dificuldade de conhecer o futuro depende também do fato de que cada um projeta no futuro as próprias aspirações e inquietações”, escreveu certa vez Norberto Bobbio.

A ordem geral é sempre sobreviver. Não é por acaso que tanto se valoriza o aqui e agora, o que pode ser minimamente “apalpado”, é menos incerto e duvidoso.

Mas não há somente trevas à frente. Bem ou mal, o mundo se move, os protestos se acumulam, as perversões ficam mais transparentes, a ciência se afirma, a democracia permanece no horizonte. Buscamos o tempo todo ver além da neblina, para agarrar o futuro que nos escapa.

Para sobreviver com dignidade precisamos manter a lucidez e a serenidade, combinando-as com a indignação que nos faz recusar injustiças, nos mobiliza e nos ajuda a manter a esperança e a grandeza de espírito. Essas são nossas estrelas-guia.

Temores de um coração civil

Sou de uma geração que entrou na vida adulta quando no Brasil nascia o regime militar. A maioria dos brasileiros de hoje não teve a experiência pessoal de viver tantos anos sob um regime baseado na força. Viver sem cidadania política e sem a proteção de leis que valem para todos é o mesmo que perder uma parte essencial de nossa condição humana.

No fim de nosso drama autoritário descobrimos que o sacrifício da liberdade havia sido em vão. Mesmo governando sem os limites e restrições do Estado democrático, sem Congresso livre e sem Judiciário independente, o regime terminou sem cumprir suas promessas, devolvendo um país mal economicamente e sem as mudanças e reformas que lhe abririam as portas do crescimento e da modernidade.


Uma nação que perde a sua memória será sempre uma nação sem rumo. O que fez da história da humanidade uma história em geral de evolução e de progresso tem sido justamente essa capacidade de lembrarmos de nossos erros e dos perigos que já corremos.

Nunca em nossa história nos defrontamos com tantos e tão decisivos problemas ao mesmo tempo. Depois de uma década de crescimento ínfimo fomos alcançados pela mais devastadora pandemia já conhecida por nossa civilização.

Sem vacinas e sem medicação apropriada, recorremos, aqui e em toda a parte, a um isolamento social que está dissolvendo como um ácido as estruturas econômicas e destruindo os meios de vida de grande parte da população. É um cenário de guerra e as guerras só são vencidas por nações que sabem se unir. James Madison, um dos fundadores da nação americana, há 250 anos advertia que se poucas tropas são suficientes para defender uma nação unida, nenhum exército é capaz de defender uma nação desunida.

As guerras que devemos lutar hoje são a guerra contra a doença e a guerra contra a ruína econômica, mas nenhuma delas parece ter força para nos mobilizar. Somos hoje uma nação que só quer lutar contra si mesma e se assim for, vamos certamente perder todas as guerras.

Nesta luta para nos dividir surge no ar carregado, soprado dos confins mais sombrios do nosso passado, apelos novos de intervenção militar, para que a vontade do Governo possa impor-se a todos sem restrições. Há quem desdenhe desses sinais e prefira fechar os olhos. Mas quem presta melhor atenção à história sabe que na vida das sociedades o inferno sempre nos espreita.
Manifestações de rua, com a presença ostensiva do Presidente da República e de alguns generais em cargos civis no governo, com faixas e gritos pedindo o fechamento do Supremo e do Congresso Nacional, não são simples extravagâncias destinadas ao anedotário da política. São nuvens de tempestade e é melhor nos abrigarmos.

Não seria justo associar nossas Forças Armadas a estes ensaios de golpe. Seu silêncio é o testemunho de sua lealdade às leis e à Constituição e tanto entre nós, como nos países ocidentais, os militares tornaram-se forças que estão na vanguarda da segurança das nações diante das ameaças que nascem com o poder das tecnologias. A política interna não está em sua missão.

Nos Estados Unidos o governo atual também vive de apelar para os sentimentos mais primários da sociedade e de buscar, como aqui, esconder-se atrás dos militares para se proteger. Lá a resposta dos militares foi inequívoca. O Almirante Mike Mullen, quando o Presidente Trump ameaçou empregar as Forças Armadas para reprimir manifestações contra o racismo, disparou: “Os cidadãos americanos não são e nunca serão o nosso inimigo”.

O Chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas General Mark Milley, tendo estado ao lado de Trump numa encenação pública, desculpou-se abertamente à nação “Eu não deveria estar lá. Minha presença naquele momento e naquele ambiente criou a percepção de que os militares estão se envolvendo em política doméstica.”

Em 1964, com todo o futuro à minha frente tive medo de estar perdendo algo muito grande em minha vida. Eu tinha razão. Depois de tantas coisas vividas, o que mais desejo hoje é esconjurar aqueles velhos temores do meu coração.

domingo, 28 de junho de 2020

Pensamento do Dia


Sobras de guerra

Não é de hoje que números redondos são ferramentas infalíveis para atrair leitores, concentrar homenagens, turbinar emoções. Não fosse a pandemia que imobiliza este 2020 fantasmagórico, o 250º aniversário do nascimento de Beethoven e os festejos pelos 75 anos do final da Segunda Guerra na Europa seriam mais tonitruantes. Basta comparar com o passado recente: em 2019 o mundo se entregou a comemorações voluptuosas pelos 50 anos de Woodstock, os 30 anos da Queda do Muro de Berlim, e tantos outros marcos históricos.

Em tempos de coronavírus, números redondos também são ferramenta de primeira linha, só que às avessas — eles nos arrancam do torpor de um amanhã incerto. Sabidamente o medo que mais imobiliza o ser humano é o medo de ver o que está à sua frente. Isso inclui o presidente da República. Para Jair Bolsonaro, cada novo número-choque da pandemia no Brasil tem impacto dobrado, pois atesta sua falha histórica como governante da nação em tempos turvos.

Na linha desse tempo pandêmico o mundo mal teve tempo de atravessar o choque do primeiro milhão de infectados. No momento rumamos para 10 milhões mundo afora, e logo mais a régua terá de ser levantada. Na manhã da última sexta-feira dados apontavam para 55.304 mortos no Brasil. Portanto nova barreira redonda derrubada, com a anterior (50 mil) já esquecida.


Como nossas mentes dificilmente registram o número por inteiro, é mais provável que em conversas de quarentenados tenhamos arredondado para 55 mil. Em textos jornalísticos ou legendas noticiosas, o número completo acaba encurtado para “mais de 55 mil”. Ou, “55,3 mil”. Acabam ficando de fora do nosso imaginário as chamadas “sobras da guerra” — no caso, os 4 últimos dessas 55.304 vidas perdidas para a Covid. É natural: quem pensa nos centavos diante de um cheque de 10 mil reais, certo?

Mortandade tão vasta e tão abstrata dificulta o luto individual, exceto quando ele nos atinge de perto. A morte em massa se torna a soma de vidas anônimas tragada por essa avalanche. Só que, ao contrário do que ocorre em furacões, terremotos ou guerras, a mortandade por pandemia é condenada ao silêncio. E esta, em particular, parece não ter fim.

Na Guerra do Vietnã, onde morreram 58.209 G.I.s, foi fácil levantar a identidade dos dois últimos soldados americanos a não voltarem para casa. Um se chamava Charles McMahon, estava prestes a completar 22 anos e desembarcara em Saigon 11 dias antes de morrer. O outro, Darwin Lee, de 19 anos, também era novato na guerra que durou 7 anos. Ambos tinham por missão proteger a Embaixada dos Estados Unidos. Morreram juntos na manhã do 29 de abril de 1976, atingidos por um foguete. No dia seguinte, a guerra acabou, Saigon foi tomada pelos comunistas, e o que restava de presença americana bateu em retirada afoita. Inglória das inglórias, os corpos de McMahon e Lee foram deixados para trás. Só conseguiram ser recuperados um ano mais tarde por mediação da diplomacia.


Historiadores da Segunda Guerra Mundial também puderam cravar a identidade do último soldado das tropas aliadas a morrer no front europeu: Charles Havlat, 34 anos. No dia 7 de maio de 1945 seu pelotão avançava na região da Tchecoslováquia quando sofreu emboscada de uma divisão de tanques alemães. Fatalidade: nove minutos antes fora negociado o cessar-fogo que levaria à rendição incondicional da Alemanha, comemorada em 8 de maio.

Difícil imaginar que pesquisadores do futuro conseguirão identificar a última vítima da pandemia de Covid-19 no Brasil. Isso porque, por trás de números tão monumentais, se escondem várias causas mortis. Inclusive a falta de medicamentes críticos em várias UTIs do país. O estoque de 22 insumos indispensáveis para pacientes que precisam ser intubados (sedativos, anestésicos, bloqueadores neuromusculares) está à míngua em 21 hospitais de referência, aponta um levantamento nacional divulgado esta semana. Sem esses medicamentos, o paciente não morre de Covid, morre por não poder ser intubado.

Também pode morrer por ter desistido de entender o emaranhado de protocolos de segurança e reclassificações de atividades.

Desistido de aguardar o auxílio emergencial do governo, desistido de se proteger. O método universalmente reconhecido como o mais simples e barato — o uso de máscara — é sabotado pelo presidente da República. Como levar a sério um protocolo municipal que libera viagens de pé em ônibus mas limita a ocupação no interior do veículo em 2 pessoas por metro quadrado? Isso, na cidade do Rio de Janeiro! O efeito sanfona das medidas de flexibilização desnorteia mais do que disciplina, a lição primeira de lavar as mãos com sabão não serve para os mais de 100 milhões de brasileiros hoje ainda expostos ao esgoto a céu aberto.

Em resumo, no Brasil de 2020 ainda vai se morrer muito durante a Covid-19. Sobras desnecessárias da soma de irresponsabilidades nacionais.

Reflexões na crise

A Covid-19 deixará um rastro de destruição sobre a humanidade. Negócios serão aniquilados, empreendimentos remodelados, o saber deixará de ganhar valiosos avanços, milhões de crianças perderão tempo de aprendizagem, a pobreza cobrirá o planeta, aumentando as desigualdades sociais, a angústia e a depressão cobrirão milhões ou bilhões de pessoas. O planeta atrasará seu ritmo de avanços.

Os mais otimistas sinalizam descobertas revolucionárias na medicina, novas vacinas, integração solidária entre as nações no combate a doenças, maiores investimentos em saúde e no bem-estar.


É razoável apostar em passos adiante. Mas há de se reconhecer o atraso na vida de uma geração, obrigada a permanecer em casa assistindo aulas virtuais. Aliás, esse ensinamento a distância deixa a desejar. Passar quatro horas ouvindo um ou dois professores, em sequência, ministrando aulas para uma plateia virtual é muito cansativo. Poucos prestam atenção, a interação é escassa e o diálogo essencial se perde na monotonia.

Imaginem o atraso de um semestre ou um ano na vida de um estudante. Mais adiante, terá de haver um esforço extraordinário para recuperar os passos perdidos. Se essa metodologia for adotada pós-pandemia, terá de ser recauchutada.

Milhões de micros, pequenos e médios negócios fecharão as portas e o empresariado terá de enfrentar o desafio do recomeço, talvez em outra área. Remontar o que o vírus corroeu. Os gigantescos conglomerados, embora sofram também, acabam sobrevivendo no jogo do perde e ganha.

No plano espiritual, mentes e corações maltratados pelos impactos emocionais e racionais desabam no despenhadeiro da depressão e da angústia, repassam suas vidas, o tempo perdido em apostas sobre o futuro. Tem sentido pensar em um novo modus vivendi para o amanhã? Claro, milhões de pessoas não serão atingidas pela depressão. Continuarão insensíveis às intempéries da vida.

Mas volto os olhos àqueles que pensam sobre sua existência, sofrendo com tantas injustiças, indignados com a corrupção na política e a manipulação das massas, com os desvarios de governos. Penso nos milhões que estão fora da mesa do consumo, famintos em acampamentos isolados ou devastados por guerras, nas milhões de crianças recém-nascidas que não chegam a viver para compreender o que são e onde estão.

Pensamentos e reflexões na crise. E aqui, o que poderá acontecer? Em tempos normais, a hipótese se configuraria como verdadeira: Jair Bolsonaro não completaria o mandato. As situações absurdas e a ineficiência de seu governo abasteceriam os estoques de contrariedade e a pressão da sociedade seria implacável. Mas, com a pandemia, qualquer ato político impactante semeará o caos no país. Resta a pressão por mudanças no comportamento do presidente, na motivação dos políticos para promover as reformas, na força aos governos estaduais e municipais para que conduzam bem sua guerra contra a Covid-19.

Quanto às eleições de novembro, que os candidatos reflitam sobre seu discurso e procurem realizar um ato de contrição. Sejam simples, modestos, honestos e sinceros. Amanhã será outro dia.

Sinofobia já é um fenômeno global

Em meio a tantos questionamentos contemporâneos se o mundo pós-pandemia será mais solidário ou individualista, uma parte dessa história já se antecipou e mostrou sua cara, que é nada atraente. Atualmente, a sinofobia (preconceito contra a China) é um fenômeno global que se manifesta da forma atroz e despudorada, e que pode acarretar consequências dramáticas para o futuro mundial.

Desde a explosão da pandemia, o racismo contra os chineses têm acontecido em muitos países, sendo estimulado pelos Estados Unidos, que inventaram o estigma de “vírus chinês”, requentando a velha ideia de associar a China a algo contagioso. Há muitos anos, desde que a China surgiu como potência mundial, boa parte do soft power norte-americano tem se dedicado a estereotipar os chineses como algo que infecta e poliu o mundo com mercadorias ou com epidemias. Para Donald Trump, que trava uma guerra comercial com a China, a pandemia foi a desculpa perfeita para aumentar a tensão contra os chineses. A disputa, evidentemente, é por hegemonia no sistema mundial.


O que faz menos sentido, contudo, é que países latino-americanos, por exemplo, transformem a China em espantalho e comprem a mesma narrativa estado-unidenese contra seu maior parceiro comercial. Mas definitivamente a racionalidade econômica não é o que embasa a sinofobia. O governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro escolheu a China como o seu mais novo inimigo externo para responsabilizar pelos seus fracassos na condução da pandemia da covid-19.

De um lado, essa posição reforça uma posição de vassalagem aos Estados Unidos —fazendo ruir o sonho um mundo emergente multipolar que, há dez anos, parecia reinventar a hegemonia do sistema mundial desde o sul global. De outro lado, a culpabilização da China é extremamente conveniente para governos extremistas e incompetentes que mobilizam e fidelizam sua base política com um simplismo vulgar a partir do qual tanto as mortes quanto o desemprego são justificados como “culpa da China”.

Não se trata de situação residual, mas a um fenômeno de proporções inéditas da política brasileira atual. Hoje, monitoramentos de grupos bolsonaristas de WhatsApp mostram que a China é um dos principais temas foco de discussão e discurso de ódio e teorias da conspiração. Isso resulta atos concretos como protestos em frente à embaixada da China, hordas de militantes virtuais atacando nas redes sociais o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, ou pessoas comuns assediando os chineses nas ruas.

As consequências da hostilidade contra a China são dramáticas em muitos níveis. Em primeiro lugar, representa uma fase em que não apenas a hegemonia euro-americana se reorganiza, mas também recoloca países emergentes em uma posição de subalternidade, eliminado a possibilidade de relações mais simétricas no plano internacional.

Em segundo lugar, isso atiça o racismo contra imigrantes chineses no exterior, que são vítimas de violência diária nas mais diversas partes do mundo, apontando os limites de uma sociedade global e cosmopolita, justamente em tempos de avanço dos supremacistas brancos que contestam o que chamam de “globalismo” e reivindicam uma pureza da “civilização ocidental”. Em terceiro lugar, isso provoca a reação da China que adota uma diplomacia de confronto, de defesa e ataque, o que também serve para mobilizar o seu próprio nacionalismo e legitimar políticas autoritárias no âmbito doméstico.

Até onde, e por quais meios, a China irá reagir é talvez a maior incógnita a ser decifrada nas relações internacionais na contemporaneidade. E não é exagero dizer que a paz mundial depende dessa resposta.
Rosana Pinheiro-Machado

No futuro, não acreditaremos

Se nos disserem daqui a algum tempo que no dia em que o Brasil contava 52 mil mortos por um vírus violento a prioridade do governo era proteger infratores do trânsito, nós tomaremos um susto. Somos testemunhas do inacreditável. Na última terça-feira, o governo mobilizou sua base parlamentar, agora engordada com o centrão, para aprovar a sua menina dos olhos: os motoristas terão mais chance de cometer infrações de trânsito, antes de chegar ao ponto de perder a habilitação. No dia seguinte, o secretário de Vigilância Sanitária, usou 184 palavras para comunicar uma notícia curta e dura: que a curva dos infectados e mortos ainda cresce no Brasil.

Naquela mesma quarta-feira, em que morreram 1.103 brasileiros pela covid-19, o presidente e seu filho e divulgador, conhecido pela alcunha de Carluxo, foram à Polícia Federal. Aquela que está investigando o presidente da suspeita de intervir nela mesma. Ao lado de um receptivo diretor-geral Rolando de Souza, o presidente se exibiu dando tiros com várias armas, o que pode ser conferido no vídeo postado nesse jornal pela competente Bela Megale. Quem olhar no futuro essa cena, e for informado do contexto do país naquele dia, se perguntará: que presidente é este? Teremos dificuldade de explicar.


No tempo de hoje vamos vivendo o insólito. Um ex-ministro da Educação, investigado por racismo e por ameaça às instituições democráticas, foi indicado para diretor executivo do Banco Mundial. A instituição passou os últimos anos atualizando seus valores para fugir exatamente do que o ministro leva na bagagem das suas convicções.

No futuro duvidaremos de nós quando relatarmos aos mais novos que tudo estava fora do lugar no mesmo momento. O ministro do Meio Ambiente é aliado de desmatadores, o presidente da Fundação Palmares ofende Zumbi dos Palmares, a ministra da Mulher acredita que mulheres devem se submeter aos maridos, o ministro das Relações Exteriores destrata países com os quais o Brasil tem relações e alimenta teorias conspiratórias sobre as organizações multilaterais, o Ministério da Saúde enfrenta duas demissões e uma longa interinidade no meio de uma pandemia, um militar chefia a Casa Civil, e o ministro da Justiça acha que o presidente é um profeta.

Será difícil explicar o contorcionismo dos últimos dias em torno do caso Queiroz. Sumido há muito tempo, ele foi encontrado na casa do advogado que defendia Flávio Bolsonaro e o próprio presidente. Frederick Wassef é realmente um fenômeno. Inicialmente ele negou que conhecesse seu próprio hóspede. Depois disse à “Veja” que escondeu Queiroz para proteger o presidente da República. O ex-assessor poderia ser morto e o presidente, responsabilizado. Quem no futuro não entender essa rocambolesca história não deve se culpar. Não será a única estranheza do caso. A Justiça do Rio deu ao filho mais velho do presidente o direito a foro por prerrogativa de função que ele já não exerce. Inventou a prerrogativa de ex. Um detalhe talvez comprometa mais ainda a verossimilhança dos eventos: o governo foi eleito dizendo que combateria a corrupção.

O brasileiro vive dois grandes tormentos: uma pandemia e a pior crise econômica. Nesse quadro o presidente propôs aos ministros “escancarar”. A verdade sobre a pandemia? Não. A necessidade de proteger a população? Não. As medidas para socorrer pessoas e empresas contra a crise econômica? Não. Ele propôs escancarar a liberação das armas.

Mais armas nas mãos das pessoas, e menos punição para os delitos de trânsito. Eis a solução para todos os nossos problemas, da covid-19 à recessão econômica.

Os desatinos diários, os berros, as palavras chulas, a falta de demonstração de sentimento em relação às vítimas da tragédia tudo se tornou tão rotineiro que o país foi se acostumando. Por isso, só daqui a muito tempo teremos dimensão da ignomínia vivida pelos brasileiros nesse triste momento da nossa história. Nos últimos dias o presidente não foi a qualquer manifestação antidemocrática, não ameaçou chamar as Forças Armadas contra o Supremo, não mandou jornalistas calarem a boca. Dizem que daqui para frente tudo vai ser diferente. Que ele vai se comportar para escapar dos inquéritos do Supremo e vencer a eleição para um segundo mandato presidencial. Contando, ninguém acredita.

sábado, 27 de junho de 2020

Exército contra a saúde

O volume de ocupação de cargos técnicos por militares e por indicações políticas sem qualificação necessária na estrutura do Ministério da Saúde tem ocorrido como nunca antes desde que o SUS foi criado. Nem o pior ministro da Saúde fez o que está acontecendo agora.
 
O Exército pode estar puxando pro seu colo a responsabilidade de desmontar o sistema de saúde brasileiro. Esse sistema que é essencial para garantir a segurança sanitária do nosso país
Adriano Massuda, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante na Escola de Saúde Pública de Harvard.

A desigualdade piora na pandemia

O ministro Marco Aurélio Mello disse que a despesa com os servidores pode ser reduzida, ainda que o Supremo tenha decidido que são irredutíveis os salários dos funcionários públicos da União, Distrito Federal, estados e municípios. No mesmo dia dessa decisão, que protege um grupo profissional, o IBGE divulgou que a renda do brasileiro caiu 18% em maio, e que, dos afastados do trabalho, quase dez milhões passaram a não ter renda alguma. Desses, 33% são empregadas domésticas sem carteira. São os retratos do país.

O Brasil sabe como construir desigualdades e faz isso na saúde e na doença, na prosperidade e na crise. Agora, por exemplo, alguns, como eu, conseguem trabalhar de casa porque têm boa internet e bons equipamentos. Os de maior escolaridade, avisa o IBGE, são a maioria entre os que conseguiram continuar produzindo de casa.

O ministro Marco Aurélio explicou que a Constituição estabelece a irredutibilidade dos salários dos servidores, mas não o de trabalhadores do setor privado.

— É bom pensar nisso para uma futura emenda — disse.


O tratamento é desigual, afinal, o Brasil vive uma pandemia, um colapso da arrecadação que devasta as finanças de estados e de municípios, e o gestor público pode cortar tudo, menos o salário do servidor. Imagine uma cidade sem recursos que tenha que, em vez de comprar remédio para um hospital, manter o mesmo rendimento para o servidor num país que empobreceu?

O que o ministro argumenta é que a própria Constituição aponta um caminho:

— O rol de medidas, para reduzir as despesas com pessoal, contido na Constituição, é exaustivo. Está no artigo 169. Permite a redução dos gastos de pessoal, primeiro afastando 20% dos detentores de cargos de confiança, depois exonerando os servidores não estáveis e por último até os estáveis, desde que pagando-se uma indenização de um mês por ano trabalhado. Mas tem que conciliar todo ajuste à irredutibilidade dos salários dos servidores — disse.

Nesse artigo a Constituição estabelece que os salários dos servidores de qualquer esfera administrativa do setor público não pode exceder o limite estabelecido por lei complementar. E faz a lista desses ajustes que podem ser feitos. Nada impede agora que o governo federal diante da conhecida queda de arrecadação reduza em 20% os cargos comissionados. Mas, pelo visto, na negociação com o centrão para defender seu mandato, o presidente está fazendo o caminho oposto. Aumentando as nomeações de apadrinhados.

Os efeitos econômicos do coronavírus no mercado de trabalho são como um bombardeio sobre os postos de trabalho. Os servidores que têm estabilidade já estão num abrigo antiaéreo. Na outra ponta, estão 19 milhões de trabalhadores que foram afastados e, desses, quase 10 milhões ficaram sem remuneração alguma. Somando-se os brasileiros que gostariam de procurar trabalho mas não estão procurando por causa da pandemia e os desempregados, há 36,4 milhões de brasileiros “pressionando o mercado de trabalho”, como disse o IBGE.

E, ao contrário do que o presidente Bolsonaro argumenta, isso não é provocado pelas decisões de isolamento, mas sim pelo vírus em si. As medidas, agora cada vez mais neglicenciadas, são decorrentes da necessidade de proteger a vida. Se o governo tivesse sido eficiente nas linhas de crédito para as empresas micro, pequenas e médias, teria reduzido em muito a crise atual. Se tivesse organizado com competência a distribuição do auxílio emergencial, teria evitado a maior parte das filas que certamente aumentaram as taxas de contaminação. E, principalmente, se o presidente não tivesse passado tantos sinais contraditórios, não tivesse negado a ciência, mas agido como coordenador, o peso da pandemia e da crise econômica teriam sido menores.

Em todas as áreas o que se vê no Brasil durante a pandemia é o aprofundamento das desigualdades. A falta da cobertura de banda larga no país, a falta de computadores nos lares dos mais pobres, a falta de celulares afastam pessoas do mercado e tiram a capacidade de aprendizado dos estudantes. E pensar que quando foi criado o FUST era para ser, como o nome diz, um fundo para universalizar os serviços de telecomunicação. O dinheiro ficou parado no fundo, no meio de muito debate sobre o seu destino, e agora o governo Bolsonaro propôs sua extinção.