sexta-feira, 8 de maio de 2020

De volta a Canudos


Diz-se que a história só se repete como tragédia. Estamos no período das comemorações dos 130 anos da Proclamação da República, episódio que pôs fim ao Império e deu início a um novo regime político-institucional, onde os Poderes são separados e harmônicos e o presidente, eleito pelo povo. Os ventos da modernidade, que já haviam soprado sobre a Europa e os Estados Unidos, chegavam ao Brasil. Era o fim da escravidão, a consagração da liberdade de expressão e do voto popular, mesmo ainda que limitado. No entanto, à margem das mudanças, ficaram camadas expressivas da população, ex-escravos, trabalhadores rurais e tantos outros, excluídos das oportunidades que viriam com a expansão do liberalismo econômico. Esperava-se.

Multidões dessa gente juntaram-se, em Canudos, no sertão da Bahia, para seguir o Messias, nascido em Quixeramobim, que pregava a guerra contra a República, uma maldição do diabo. Antônio Conselheiro proclamava: “Há de chover uma grande chuva de estrelas, e aí será o fim do mundo. Em 1900 se apagarão as luzes. Deus disse no Evangelho: há rebanhos que andam fora deste aprisco, e é preciso que se reúnam porque há um só pastor e um só rebanho”. Em nome de Deus, contra os tempos modernos, o Messias agregava seus seguidores fanáticos, alimentados pela fé e pelo ódio.

Passado mais de um século, um novo Messias escolhido pela vontade popular chega para conduzir seu povo. Tem a força, que lhe foi concedida em eleição direta, mas nos limites legais da democracia, com os pesos e contrapesos do equilíbrio entre dos Poderes. Sente-se menos poderoso nessa República do que fora Antônio Conselheiro no seu império fictício.

O Messias dos dias de hoje vê a pandemia, trazida pelos ventos do Oriente, como uma obra do diabo, desgraça enviada pela China. Como o outro, crê que a República é sua inimiga e que precisa, pois, destruir os outros Poderes, que não lhe deixam governar. Querem derrubá-lo, insiste. Para “salvar” o seu povo do comunismo, da “podridão” do mundo moderno, das “indecências desses tempos de ateísmo e de pecado”, mobiliza seus seguidores com a força do ódio e das suas milícias nas redes sociais.

Aos domingos, como não há cultos, vai às ruas, com as bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, para reunir seu rebanho e incitá-lo a descumprir as orientações de seu próprio governo, pedir o fechamento do Congresso Nacional e do STF e agredir fotógrafos e jornalistas. Sua predileção é a agressão verbal às jornalistas. Prega alucinado, enquanto seu povo vai morrendo, vítima da Covid-19, “praga disseminada pelo comunismo”.

Crendo na antevisão de Antônio Conselheiro, adverte seus súditos: “Em verdade vos digo: quando as nações brigam com as nações, o Brasil com o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. Sebastião sairá com todo o seu exército”, para nos “salvar da doença do comunismo”.

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