sexta-feira, 10 de abril de 2020

Quem pagará a conta da desgraça do coronavírus

Jair Messias Bolsonaro, o comandante em chefe da luta contra o coronavírus, foi ontem tomar refrigerante em uma panificadora da Asa Norte, em Brasília. Juntou gente, nem tanto porque metade dos habitantes da cidade respeita o confinamento decretado pelo governador Ibaneis Rocha (PMDB), do Distrito Federal.

Apertou a mão dos que o cumprimentaram e se disseram seus devotos. Posou com alguns deles para fotos. Mas não demorou muito por ali porque, de repente, começou a ouvir o tilintar de panelas e os gritos de “fora, Bolsonaro”. Saiu de cara fechada. Em 2018, a Asa Norte lhe deu 51% dos seus votos no segundo turno.


O presidente, à noite, fez sua tradicional live das quintas-feiras no Facebook. É o momento da semana onde sente-se mais à vontade. Não tem jornalistas à vista para incomodá-lo com perguntas embaraçosas. Fala o que quer e ninguém o contesta. Seus acompanhantes de ocasião sorriem de todas as suas tiradas.

Embora com ar sério, estava particularmente debochado. Sem citá-lo, debochou do ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que costuma repetir que médico não abandona paciente. Quer dizer com isso que em meio a uma pandemia, por mais que seja hostilizado por Bolsonaro, não pedirá demissão.

A pretexto de defender mais uma vez o uso da cloroquina contra o coronavírus, Bolsonaro disse que “médico não abandona paciente, mas paciente troca de médico”. Touché! Mandetta preferiu responder à gravação de uma conversa onde o ministro Onyx Lorenzoni e o ex-ministro Osmar Terra defendem sua demissão.

“Lavoro, lavoro, só lavoro”, comentou Mandeta. Lavoro é trabalho em italiano. É o que não falta ao ministro na medida em que o coronavírus multiplica o número de brasileiros infectados e mortos. Hoje, um novo recorde será estabelecido quando o número de mortos ultrapassar a casa dos mil.

De volta à live de Bolsonaro. Com o mesmo ar de seriedade com que deu uma estocada em Mandetta, ele debochou também da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que o proibiu de revogar as medidas de restrição dos governadores para deter o avanço do coronavírus.

Valeu-se da decisão ainda em caráter de liminar para dizer que ela prova que ele, Bolsonaro, nada tem a ver com tais medidas. Até porque sempre se opôs a elas por considerá-las prejudiciais às pessoas que precisam circular e por fazerem mal à Economia. Se dependesse somente dele, nunca teriam sido adotadas.

Com a corrida às farmácias para a compra de cloroquina e o aumento de carros e de pessoas nas ruas das maiores cidades do país, pode-se afirmar tudo – menos que Bolsonaro esteja em isolamento social. Uma larga fatia do país, seja por ouvi-lo, seja por outras razões, está fazendo exatamente o que ele prescreveu.

Ah, mas o Congresso não quer mais conversa com ele! Ah, mas o tempo fechou para ele na Justiça! Esta semana, vários líderes e presidentes de partidos conversaram às escondidas com Bolsonaro no Palácio do Planalto. O clima na Justiça está pesado para o lado dele, mas nenhum togado recusaria um convite para conversar.

Mandetta… Mandetta não perde por esperar. A hora de Bolsonaro mandá-lo embora chegará a partir do instante em que o vírus comece a perder sua força – daqui a dois meses, talvez. Mandetta irá lavorar, lavorar para quem quiser, mas longe da Esplanada dos Ministérios, e sem horário gratuito de propaganda eleitoral.

O acerto final de contas de Bolsonaro com o país se dará quando for possível fazer um balanço do número de vidas ceifadas pelo vírus que ele chamou de “gripezinha”. Se for demasiado grande, se por aqui se repetirem cenas como as que chocaram a Itália e outros países, não haverá mais conversa que possa salvá-lo.

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