A Amazônia brasileira possui hoje 340 milhões de hectares de floresta ainda intacta. Ocupando quase a metade do território brasileiro, ela é objeto de debates inflamados entre os que desejam protegê-la, conservá-la e "monetizá-la".
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a Amazônia só será preservada se forem encontradas "soluções capitalistas" que deem dinamismo econômico para a floresta e gerem renda para os cerca de 20 milhões de brasileiros que habitam a região.
Seguindo essa lógica — a de que é preciso fazer a Amazônia "render" dentro do sistema capitalista —, economistas e ecólogos vêm, há algumas décadas, tentando calcular o valor monetário dos serviços que o meio ambiente oferece aos humanos.
Eles dizem que com isso querem, primeiro, abrir um diálogo com as várias correntes de pensamento usando uma linguagem que todos entendem: o cifrão. Segundo, querem mostrar que a natureza (e nesta reportagem, a floresta) não é um patrimônio "que está ali à toa, fazendo nada". Já contribui muito para a economia do planeta.
Terceiro, os pesquisadores propõem que os estudos sirvam como ponto de partida para decisões futuras.
No caso da Amazônia, a ideia é que esses estudos auxiliem os brasileiros na busca de atividades econômicas sustentáveis baseadas em um conhecimento profundo do potencial da floresta. Para que ela renda ainda mais dólares — em pé.
Isso não é sonho mirabolante e já foi feito antes, eles argumentam. No auge do ciclo da borracha, a floresta contribuía com mais de um terço das exportações brasileiras e rivalizava com a lavoura do café no período — sem que uma árvore fosse derrubada.
Em particular, dois estudos revelam números surpreendentes sobre a contribuição financeira atual da Floresta Amazônica para o Brasil.
Um deles é o estudo global macroeconômico Changes in the Global Value of Ecosystem Services, liderado pelo americano Robert Constanza, professor da Crawford School of Public Policy da Universidade Nacional da Austrália e pioneiro em estudos de precificação dos serviços oferecidos pela natureza.
Publicado em 2014, esse estudo — que atualiza um trabalho anterior do especialista — calcula o valor de diferentes tipos de biomas, entre eles, as florestas tropicais. Segundo os cálculos, a Amazônia brasileira rende ao país (e ao mundo) cerca de US$ 1,83 trilhão (R$ 7,67 trilhões) por ano em valor bruto.
O segundo estudo, Valoração Espacialmente Explícita dos Serviços Ecossistêmicos da Floresta Amazônica Brasileira, publicado em novembro de 2018, foi liderado pelo modelador ambiental Britaldo Soares Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e realizado em parceria com o Banco Mundial. A equipe, integrada por pesquisadores de várias universidades brasileiras, precificou, em valores líquidos, um pequeno número de serviços que a Amazônia oferece.
O estudo concluiu, por exemplo, que o valor somado de diferentes serviços pode chegar, em determinadas áreas, a US$ 737 (R$ 3 mil) por hectare por ano. Esse valor é muito superior à renda gerada pela pecuária de baixa produtividade praticada na Amazônia — cerca de US$ 40 (R$ 167) por hectare por ano, segundo os pesquisadores.
A BBC News Brasil contactou pesquisadores envolvidos nesses estudos. A seguir, vamos destacar alguns dos números encontrados.
Robert Constanza iniciou suas pesquisas em precificação de serviços ecossistêmicos e praticamente criou, no final da década de 1990, uma nova disciplina, a Economia Ecológica.
O cientista não é pouco ambicioso. Em 1997, decidiu calcular o valor total dos serviços ecossistêmicos do planeta. Entre eles, regulação climática, gestão da água, controle da erosão, polinização, controle biológico, fornecimento de alimentos, combustíveis e fibras, serviços culturais e recreativos.
O valor obtido foi US$ 33 (R$ 138) trilhões (em 1997), atualizado, no estudo de 2014, para US$ 125 (R$ 524) trilhões por ano. Coloquemos esse número em contexto: em 1997, o PIB mundial era US$ 18 (R$ 75) trilhões; em 2014, US$ 80 (R$ 335) trilhões.
O trabalho de Constanza é polêmico e ele recebe críticas de todos os lados. Os economistas questionam suas metodologias. "Como é possível que a natureza valha mais do que o PIB mundial?", perguntam.
Já os ecologistas dizem que o cálculo é inútil, porque a natureza não pode ser reduzida a cifrões. Sem ela, não haveria vida humana. Seu valor, portanto, tem de ser infinito, argumentam.
Mas o pesquisador se defende explicando que seus cálculos são apenas estimativas, cujo objetivo é permitir que países façam sua própria contabilidade. Que percebam que aquela área de floresta, de pântano ou de caatinga que aparentemente está inerte não é patrimômio parado.
Em uma palestra, um integrante da equipe de Constanza — o geógrafo Paul Sutton, da Universidade de Denver, nos Estados Unidos — explicou:
"Queremos que as pessoas tenham estimativas confiáveis dos benefícios que recebemos da natureza, e na moeda que todo mundo entende: o dólar."
"Nós concordamos, a natureza é infinitamente valiosa. Mas não a tratamos como tal", disse. "Estamos tratando a natureza como se o seu valor fosse zero."
Para fazer seus cálculos, a equipe de Constanza combinou múltiplos métodos e milhares de estudos publicados por cientistas de todo o mundo.
Para estimar o valor da polinização, por exemplo, o raciocínio foi o seguinte:
"Se tivéssemos de substituir a polinização feita pelas abelhas por trabalho humano, para polinizar manualmente a lavoura, o custo seria US$ 200 (R$ 838) bilhões por ano", disse Sutton. Portanto, ele explicou, o valor da polinização é o custo que é evitado quando as abelhas fazem esse serviço para nós, gratuitamente.
Para calcular o valor de serviços como a produção de combustíveis e alimentos, a equipe simplesmente usou os valores de mercado desses serviços.
Manguezais, como os que estão sendo ameaçados pelo vazamento de óleo no Nordeste brasileiro, prestam serviços valiosíssimos. "Sabemos que os manguezais evitam que marés adentrem e destruam parte das cidades em dias de ressaca", disse o professor de Ecologia Jean Paul Matzger, do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo, USP, à BBC News Brasil.
"Para Constanza, a pergunta foi: qual seria o prejuízo que teríamos se não houvesse o manguezal?". Para responder a essa pergunta, a equipe estudou o acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.
"Eles perceberam que o fato de você ter a proteção dos mangues dá uma super-segurança para as usinas. Havia situações com e sem mangue. Foi justamente assim (fazendo a comparação) que eles avaliaram o prejuízo que (que o vazamento das usinas) tiveram pela ausência do mangue."
Em 2014, Robert Constanza revisou o valor dos manguezais.
"O valor dos mangues aumentou muito", disse Metzger. "São US$ 194 mil (R$ 813 mil) por hectare ao ano."
Já as florestas tropicais, segundo o estudo de Constanza, podem gerar benefícios estimados em US$ 5,4 mil (R$ 22,5 mil) por hectare/ano.
Mas o estudo de Constanza não leva em conta as especificidades de cada floresta tropical. Ele oferece apenas um valor médio global. E a Floresta Amazônica é única em vários aspectos. Por exemplo, ela é a mais biodiversa do planeta, segundo especialistas.
Entra em cena o estudo brasileiro, o mais importante desse tipo já feito no país, publicado na prestigiosa revista Nature Sustainability.
O Estudo Espacialmente Explícito de Valoração investiga exclusivamente a porção brasileira da Amazônia e precifica, com maior precisão, um número menor de serviços que ela oferece à economia do Brasil — produção de alimentos (castanha-do-pará), produção de matérias-primas (borracha e madeira sustentável), mitigação dos gases do efeito estufa (absorção e retenção do carbono) e regulação climática (produção de chuva e energia hidrelétrica). O estudo também mapeia a biodiversidade da Amazônia, embora sem precificá-la.
Segundo seus autores, a ideia era criar uma espécie de ferramenta, um mapa que ajudasse tomadores de decisão a desenhar políticas de preservação e uso sustentável dos recursos da floresta.
"O estudo avalia o potencial hoje da floresta de gerar valor econômico em termos líquidos", disse à BBC News Brasil um de seus autores, o professor da UFMG Raoni Rajão, especialista em gestão ambiental e validação econômica.
Crucialmente, os vários gráficos e tabelas apontam as áreas em que as autoridades deveriam intervir com maior urgência para evitar a perda de valiosos serviços e produtos florestais que — os pesquisadores ressaltam — beneficiam toda sociedade.
Trata-se das áreas em que os serviços prestados podem alcançar o valor mais alto estimado, US$ 737 por hectare por ano.
Ou, fazendo o raciocínio inverso...
"O desmatamento nessas áreas pode gerar prejuízos de até US$ 737 por hectare por ano", explicou Rajão.
Os pesquisadores explicam que, nessas regiões, os valores são altos porque, ali, vários serviços se combinam: produção de alimentos e de matérias-primas e também serviços indiretos, como regulação climática e absorção do carbono.
Segundo Rajão, essas são também as áreas sob maior risco de ocupação ilegal e desmatamento para a pecuária de baixa produtividade (a mais prevalente na Amazônia).
Isso não é coincidência, explicou. As terras mais valiosas identificadas são as áreas da Amazônia onde o acesso é mais fácil. Por serem de fácil acesso, são também as mais viáveis economicamente. Estamos falando de terras próximas de estradas, de rios e próximas de outras áreas já desmatadas.
Se é assim, então por que não sair abrindo estradas para aumentar a rentabilidade de toda a Amazônia? — você talvez esteja se perguntando.
Porque estradas atraem assentamentos ilegais e mais desmatamento, explicou o pesquisador. E isso pode ter consequências catastróficas para a Amazônia.
Funciona desta forma: a floresta tropical é capaz de gerar sua própria umidade. Mas a floresta desmatada e degradada produz menos umidade, pega fogo mais facilmente, perde a função de transportadora e retentora de umidade. Isso gera um efeito cascata que se alastra por toda a floresta, disse Rajão.
"Quando você degrada a floresta, você faz com que áreas que não foram desmatadas também se ressequem."
"Então, se fizermos isso (se sairmos rasgando a floresta com estradas), chegaremos ao que os cientistas chamam de 'tipping point'. Um limite de destruição após o qual a floresta inteira morre."
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