domingo, 24 de novembro de 2019

Por que a Colômbia se incendiou?

Centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de um país que não vivia um dia de greve geral como a de quinta-feira havia 42 anos. A Colômbia saiu para protestar. E, pela dimensão nacional da mobilização, poderia parecer que realmente não fazia isso havia quatro décadas. Mas seria uma ilusão causada pelo excesso de manchetes: o país está imerso há anos em um ciclo de mobilizações que podem ser lidas como a expressão fragmentária de descontentamentos dispersos. Não é por acaso que 11% dos colombianos afirmaram ter ido protestar durante 2018, uma porcentagem que está no nível alto da classificação da região.

A aspiração da greve era, de fato, unir diferentes descontentamentos e motivos de protesto. E isso foi canalizado para a figura do presidente Iván Duque. Depois de apenas 15 meses no cargo, a aprovação de um mandatário eleito com 58% dos votos não chega nem a 40%.

Em sua oitava medição de popularidade, Duque caiu para o nível de seu antecessor, Andrés Pastrana, que no mesmo momento de seu mandato estava imerso em um processo fracassado de negociação com a guerrilha das FARC. No entanto, também é verdade que o contexto latino-americano (e mundial) é de baixa popularidade para os líderes do Poder Executivo.


No início de seu mandato, Duque aparentemente não gerava entusiasmo, mas tampouco grande rejeição. Esta última tem crescido à medida que avança seu período na presidência. Mas isso vem ocorrendo de forma assimétrica, desigual.

Já na base se encontravam certas características que depois se confirmaram no perfil dos participantes das manifestações que encheram as grandes cidades. As famílias de alta renda são mais propensas a avaliar negativamente Duque. Isso contrasta com o padrão de rejeição a Sebastián Piñera no Chile, observado na mesma pesquisa do Barômetro das Américas: lá, são as famílias de baixa renda as que mais criticam a gestão do Poder Executivo.

Mas se algo se destaca na distribuição de preferências é a acentuada diferença de idade: os mais jovens são muito mais críticos em relação a Duque. A distância entre gerações está aumentando em um país que já passou do seu pico demográfico, mas que, por isso mesmo, tem uma incorporação maciça de uma geração mais velha do que as anteriores à vida pública.

Quando cruzamos a crítica a Duque com a presença nos protestos, temos um interessante retrato de tendências políticas que, mais uma vez, combina bastante com o que vimos nas ruas da Colômbia na quinta-feira.

O resultado é que as pessoas mais satisfeitas com a democracia se unem às mais insatisfeitas na tendência de protestar e de avaliar negativamente Duque. É um resultado razoável, dada a polissemia do conceito: “democracia” pode significar, na cabeça do entrevistado, tanto o resultado concreto da democracia na Colômbia (possível sensação de insatisfação) como a ideia mais geral de democracia como sistema inclusivo (provável demonstração de satisfação).

É claro que o voto nas eleições presidenciais de 2018 também influi. O gráfico mostra o efeito de cada combinação declarada de voto em 2018 sobre o binômio Duque / protesto. A opção por candidatos de esquerda (Gustavo Petro) ou de centro (Sergio Fajardo) aumenta a margem. A opinião sobre o processo de paz com as FARC também marca a tendência: as avaliações mais positivas sobre o primeiro movem o ponteiro em direção ao segundo.

Trata-se, em suma, de um protesto que parece encontrar seu sucesso na agregação de demandas concentradas na figura presidencial. Seu caráter urbano é, no momento, o que mais se destaca (algo que distingue este protesto de muitos dos anteriores, começando com a greve camponesa de 2013 e terminando com a recente marcha indígena). O papel do movimento estudantil é, nesse contexto, particularmente predominante: os estudantes já estavam ativos nas ruas desde o início de 2019, e foram eles que protagonizaram alguns dos momentos mais marcantes das manifestações. Tudo isso dá à mobilização atual um grande de poder de aglutinação no curto prazo, de fato, mas nada disso assegura sua manutenção ao longo do tempo.

E, enquanto escrevo estas linhas e reviso todos estes dados coletados em trabalhos de campo realizados de outubro de 2018 ao mesmo mês de 2019, Bogotá inteira sai às ruas de panela na mão. Depois de um dia e protesto em dois tempos (o primeiro, maciço e pacífico; o segundo, atomizado e violento), foi acrescentado um terceiro, na forma de panelaço noturno de final ainda incerto. O que efetivamente sabemos neste momento é que isso está ocorrendo em todos os setores de uma cidade normalmente segregada. Este terceiro tempo sonoro tem o potencial de dar à reivindicação um alcance que ela não tinha necessariamente até agora. Por enquanto, isso lhe permite dominar a cobertura da mídia. Mas sua manutenção continuará dependendo de que os números expostos acima se transformem em um movimento organizado, com capacidade de aglutinação e de articulação de demandas que contem com o apoio de partes significativas da sociedade, talvez não dispostas a sair às ruas todos os dias, mas suficientemente descontentes com este Governo para expressar isso com um tuíte, um voto ou uma panela durante ao longo de 2020. Os próximos dias, semanas e meses dirão.

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