O direito do presidente da República à reeleição foi um mal que Fernando Henrique Cardoso prestou ao país. O primeiro mandato de FHC foi um enorme sucesso. Para ele e seus apoiadores, como para o país todo. FHC não só tinha criado e montado o Plano Real, enquanto ministro de Itamar Franco, como o consolidou definitivamente em seu próprio governo. Isso já bastaria para o aplauso da nação, que recuperava a confiança em nossa moeda, devolvendo-nos orgulho e serenidade em nossos projetos de vida. Mas, além disso, FHC preparou com muita dedicação o sucesso de seu ingrato sucessor.
Seria preferível que FHC tivesse ficado no poder por cinco ou talvez seis anos (como na França), num mandato único, sem direito à extensão, do que lhe permitir a reeleição. Mas o mistério dessa atração é tão profundo, esse amor pela continuidade do poder é tão intenso, que mesmo Bolsonaro, que passou toda a campanha eleitoral falando mal da reeleição e jurando que não se aproveitaria dela, em alguns meses de governo já estava se lançando candidato a um repeteco.
Não devemos nos esquecer de que a pior liderança que o país teve nesses últimos anos, a presidente Dilma Rousseff, a mãe de todos os males sofridos por nós e que nos emperram até hoje, conseguiu se reeleger. Mesmo seu partido podendo optar por Lula, candidato infinitamente mais popular, bem-sucedido num passado recente. Mas não foi por aqueles males que o então deputado Bolsonaro votou pelo impeachment de Dilma. Quem consultar os vídeos da Câmara verá que seu voto foi acompanhado do elogio mais radical ao mais destacado torturador da ditadura, Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Embora mentindo, a prometer o que nem ameaçou cumprir nos poucos meses de seu segundo mandato, Dilma ganhou de alguém que, na época, considerávamos um sujeito de respeito, mais preparado, um idealista. A trajetória política do cara, quando finalmente revelada, é mais um argumento a favor do fim da reeleição — e se Aécio tivesse sido eleito em 2014? Com a disposição que ele tinha e a reeleição à disposição dele, íamos certamente alimentar a farsa até 2022. Quem sabe, ele seria capaz de fazer, com o óleo nas praias, o mesmo que esse Ricardo Salles tentou, pensando que todo brasileiro é idiota — transformar o desastre ecológico em desastre com viés ideológico.
Está mais do que na hora de nos prepararmos para um outro futuro, que não é nenhum desses para os quais os dois lados polarizados tentam nos conquistar. A disputa maior, em futuro muito próximo, não será mais entre a esquerda e a direita, formas de pensar que tratam as pessoas e o mundo de modo parecido. Às vezes parecido demais, dependendo apenas do assunto e dos livros que lemos a propósito dele. Isso não faz mais nenhum sentido, num mundo vivendo o tempo do homem ou do Antropoceno, acelerado desde a segunda metade do século XX. As ideias e as doutrinas podem ser diferentes. Mas a aplicação delas, sua ação e os males que produzem são mais ou menos os mesmos. Só mudam os gurus.
A disputa do futuro será entre barbárie e civilização. O paradoxo é que, se as coisas continuarem no ritmo atual, com a disputa ideológica radicalizada infantilmente, o progresso vai se tornar um fator de barbárie. E, entre a barbárie e a civilização, para que o mundo e o ser humano existam por mais um pouco, devemos ficar sempre com a civilização. Que me desculpe o senhor presidente, mas quem está sugerindo um novo AI-5 no país não está apenas sonhando. Está provocando um pesadelo do qual já sabemos que é difícil acordar. Mas o Brasil não vai mais cair nessa.
Cacá Diegues
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