Por isso o Chile quase já deixou de ser um país subdesenvolvido e está mais perto do Primeiro Mundo que do Terceiro. Isto não se deve à ditadura feroz do general Pinochet. Deve-se ao resultado do referendo de 31 anos atrás com o qual o povo chileno pôs um ponto final à ditadura (e em que, além do mais, Piñera fez campanha contra Pinochet) e ao consenso entre a esquerda e a direita para manter uma política econômica que trouxe gigantescos progressos ao país. Em 29 anos de democracia a direita só governou cinco anos e a esquerda –ou seja, a Concertação–, 24. Não é descabido afirmar, portanto, que a esquerda contribuiu mais que ninguém para que aquela política, de defesa da propriedade e das empresas privadas, o estímulo aos investimentos estrangeiros, a integração do país nos mercados mundiais e, claro, as eleições livres e a liberdade de expressão, tivessem levado ao extraordinário desenvolvimento do Chile. Um progresso de verdade, não só econômico, como também ao mesmo tempo político e social.
Como explicar, então, o ocorrido? Para entender é imprescindível dissociar o que se passou no Chile do levantamento camponês equatoriano e das desordens bolivianas pela fraude eleitoral. A que comparar, então, a explosão chilena? Ao movimento francês dos coletes amarelos, antes melhor, e ao grande mal-estar que há na Europa denunciando que a globalização aumentou as diferenças entre pobres e ricos de modo vertiginoso e pedindo uma ação do Estado que a freie. É uma mobilização das classes médias, como a que agita boa parte da Europa, e tem pouco ou nada a ver com as erupções latino-americanas dos que se sentem excluídos do sistema. No Chile ninguém está excluído do sistema, embora, sem dúvida, a disparidade entre os que têm e os que mal começam a ter algo seja grande. Mas esta distância se reduziu muito nos últimos anos.
O que falhou, então? Acredito que um aspecto fundamental do desenvolvimento democrático que os liberais postulamos: a igualdade de oportunidades, a mobilidade social. Esta última existe no Chile, mas não de maneira tão eficaz a ponto de frear a impaciência, perfeitamente compreensível, daqueles que passaram a fazer parte da classe média e aspiram a progredir mais e mais graças a seus esforços. Ainda não existe uma educação pública de primeiro nível, nem uma saúde que concorra com sucesso com a privada, nem aposentadorias que cresçam no ritmo dos padrões de vida. Este não é um problema chileno, mas algo que o Chile compartilha com os países mais avançados do mundo livre. Uma sociedade admite as diferenças econômicas, os distintos níveis de vida, só quando todos têm a sensação de que o sistema, precisamente pelo quanto é aberto, permite em cada geração que haja progressos individuais e familiares notáveis, ou seja, que o êxito –ou o fracasso– esteja no destino de todos. E que isso se deva ao esforço e à contribuição feita ao conjunto da sociedade, não ao privilégio de uma pequena minoria. Esta é, provavelmente, a matéria pendente no progresso chileno, como sustenta, em um inteligente ensaio, o colombiano Carlos Granés, cujas opiniões em grande parte compartilho
A obrigação nesta crise do Governo chileno não é, portanto, de dar volta atrás em suas políticas econômicas, como pedem alguns enlouquecidos que gostariam que o Chile retrocedesse até se tornar uma segunda Venezuela, mas de completá-las e enriquecê-las com reformas na educação pública, na saúde e nas aposentadorias até dar ao grosso da população chilena –que em toda sua história nunca esteve melhor que agora– a sensação de que o desenvolvimento inclui também essa igualdade de oportunidades indispensável em um país que escolheu a legalidade e a liberdade, e rejeitou o autoritarismo. A Justiça tem que estar no coração da democracia e todos têm de sentir que a sociedade livre premia os esforços, e não as conexões e os pistolões.
O segundo homem da “revolução venezuelana”, o tenente Diosdado Cabello, teve a desfaçatez de dizer que todas as mobilizações e tumultos latino-americanos se devem a que um “terremoto chavista” está soprando sobre o continente. Não parece ter se inteirado de que quatro milhões e meio de venezuelanos fugiram de seu país para não morrer de fome, porque na Venezuela socialista destes dias só comem como se deve quem está no poder e seus comparsas, ou seja, aqueles que roubam, traficam e desfrutam dos típicos privilégios que as ditaduras e extrema esquerda (e as de direita, com frequência) concedem a seus súditos submissos. Não é impossível que agitadores venezuelanos, enviados por Maduro, tenham turvado e agravado as reivindicações dos indígenas equatorianos, e até dado uma mão a Cristina Kirchner em seu retorno ao poder, meio oculta sob o guarda-chuva do presidente Fernández, mas, no Chile, certamente que não. Que na cúpula venezuelana celebrem com champanhe francês as dores de cabeça do Governo de Piñera, dá-se como certo. Mas que seja o motor da revolta, é inconcebível, por mais que tenha sido justo a meninada quem queimou vinte e nove estações de metrô de Santiago e fez pichações em favor do socialismo do século XXI (o paradoxal é que esses moleques nem sequer pagam a passagem do metrô: sua carteirinha estudantil os exclui desse expediente).
Mario Vargas Llosa
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